Pense na seguinte cena: um dia quente de verão, você precisa fazer um trajeto rápido, talvez até a padaria ou à praia. O conforto fala mais alto e a escolha do calçado é óbvia: um chinelo ou uma sandália. No entanto, no momento em que você coloca a chave na ignição do carro ou da moto, surge aquela dúvida que já gerou inúmeros debates em rodas de amigos: afinal, dirigir ou pilotar com chinelo dá multa?
Essa é, sem dúvida, uma das campeãs de dúvidas no universo do trânsito brasileiro. Rodeada de mitos e “achismos”, a questão merece uma resposta clara, direta e, mais importante, baseada na lei. Como especialista com anos de experiência em Direito de Trânsito, meu objetivo aqui é acabar com essa confusão de uma vez por todas.
Portanto, vamos analisar o que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) realmente diz e quais são as implicações práticas para o seu dia a dia e para a sua CNH.
A Lei é Clara: O Que Diz o Código de Trânsito Brasileiro (CTB)?
Vamos direto ao ponto. A resposta não é um mito. Sim, conduzir um veículo com um calçado inadequado pode gerar multa. A base legal para essa infração está no Artigo 252, inciso IV, do CTB, que define como infração:
“Dirigir o veículo: (…) IV – usando calçado que não se firme nos pés ou que comprometa a utilização dos pedais;”
Parece simples, mas é aqui que mora a confusão. A lei não cria uma lista de calçados proibidos, como “chinelo” ou “salto alto”. Em vez disso, ela estabelece dois critérios que tornam um calçado inadequado para a condução:
- Que não se firme nos pés: Qualquer calçado que possa sair dos pés facilmente durante a condução.
- Que comprometa a utilização dos pedais: Qualquer calçado que, por seu formato, material ou altura, atrapalhe o movimento rápido e seguro dos pés entre os pedais de freio, acelerador e embreagem.
É a interpretação desses dois critérios que define se você será multado ou não.
Análise Prática: Quais Calçados São Proibidos e Quais São Permitidos?
Com base na lei, podemos agora classificar os calçados mais comuns no dia a dia dos brasileiros.
- Chinelo de Dedo (Havaianas, Ipanema, etc.): É PROIBIDO! Este é o exemplo mais clássico e inequívoco. O chinelo de dedo não se firma nos pés, podendo facilmente escapar, enroscar no pedal ou se posicionar debaixo do freio, impedindo o acionamento total. Consequentemente, seu uso ao volante ou no guidão é uma infração de trânsito.
- Sandálias: DEPENDE DO MODELO! Aqui o detalhe faz toda a diferença. Sandálias que não possuem presilha no calcanhar (como tamancos, mules e slides) seguem a mesma regra do chinelo e são PROIBIDAS, pois não garantem a firmeza necessária. Por outro lado, sandálias que são presas ao tornozelo ou calcanhar (como as do tipo “papete” ou sandálias com fivela traseira) são PERMITIDAS, desde que não tenham um solado ou plataforma que comprometa o uso dos pedais.
- Salto Alto: É PROIBIDO! O salto alto é um grande vilão da segurança na direção. Ele se enquadra perfeitamente no critério de “comprometer a utilização dos pedais”. O salto cria um ponto de apoio inadequado, dificultando a sensibilidade e a força necessárias para acionar os pedais corretamente, além de aumentar o risco de o pé escorregar.
- E dirigir ou pilotar descalço? É PERMITIDO! Pode parecer contraintuitivo para muitos, mas não há nenhuma proibição no CTB sobre dirigir descalço. Na verdade, é considerado mais seguro do que usar um calçado inadequado. Sem calçados, o condutor tem total sensibilidade e controle dos pedais. Assim sendo, se você está de chinelo, a recomendação é simples: tire-os e dirija descalço.
Fui Pego. Qual é a Penalidade?
Se um agente de trânsito constatar que você está conduzindo um veículo com um calçado inadequado, as consequências são bem definidas pelo CTB. A infração é considerada de natureza média. Isso implica em:
- Multa no valor de R$ 130,16 (valor de referência em 2025, sujeito a atualizações).
- Adição de quatro (4) pontos no prontuário da sua CNH.
Embora não seja uma multa gravíssima que leve à suspensão imediata do direito de dirigir, o acúmulo de pontos de infrações médias como essa pode, sim, levar você a atingir o limite de pontos e enfrentar um processo de suspensão da CNH.
A Multa Foi Injusta? Saiba que Você Pode Recorrer
A fiscalização de trânsito, por mais profissional que seja, não está livre de erros. A avaliação do agente sobre se um calçado “compromete” ou não o uso dos pedais tem um certo grau de subjetividade. Você pode estar usando uma sandália papete perfeitamente segura e, ainda assim, ser autuado por um agente que interpretou a situação de forma equivocada.
Nesses casos, é fundamental saber que todo cidadão tem o direito de se defender. O processo de recurso de uma multa de trânsito existe para corrigir essas possíveis injustiças. O caminho geralmente envolve três etapas:
- Defesa Prévia: O primeiro passo, onde você aponta erros formais na autuação.
- Recurso à JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infrações): Se a defesa for negada, você apresenta um recurso mais detalhado, com argumentos de mérito.
- Recurso ao CETRAN (Conselho Estadual de Trânsito): A última instância administrativa.
Um recurso bem-fundamentado, que demonstre com clareza por que o calçado utilizado não se enquadra na proibição do Art. 252, tem chances reais de ser deferido.
Segurança em Primeiro Lugar
Mais do que apenas uma questão de evitar uma multa e pontos na carteira, a escolha do calçado correto para dirigir ou pilotar é uma questão de segurança no trânsito. Um calçado que escapa do pé no momento de uma frenagem de emergência pode causar um acidente grave.
Em suma, a regra é simples: para dirigir ou pilotar, use um calçado fechado ou que se prenda firmemente aos seus pés. Na dúvida, ou se estiver usando um calçado inadequado, a opção mais segura e legal é conduzir descalço.
Se você foi multado por esta ou qualquer outra infração e acredita que a autuação foi injusta, não hesite em buscar seus direitos. Nossa equipe de especialistas em direito de trânsito está preparada para analisar o seu caso e construir a melhor estratégia de defesa para proteger sua CNH.