O home office, ou trabalho remoto, deixou de ser uma exceção e se consolidou como uma realidade para milhões de brasileiros. Com ele, surgem novas dúvidas e desafios, especialmente no que diz respeito aos custos envolvidos. Afinal, se o empregado está utilizando sua própria casa, sua internet e sua energia elétrica para trabalhar, quem deve arcar com essas despesas? A questão é complexa e gera muitos debates, mas a legislação e as decisões judiciais têm apontado para um caminho claro: a responsabilidade, na maioria dos casos, recai sobre o empregador.
A Lei e a Regulamentação do Teletrabalho
Antes da reforma trabalhista de 2017, o teletrabalho não tinha uma regulamentação específica na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que gerava grande insegurança jurídica. No entanto, a Lei nº 13.467/2017 alterou a CLT e inseriu o artigo 75-B, que define o teletrabalho como a “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e comunicação que, por sua natureza, não se configurem como trabalho externo”.
A grande novidade e o ponto crucial para a discussão dos custos vieram com o artigo 75-C, que estabelece: “As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, bem como ao reembolso de despesas suportadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito“.
Mais recentemente, a Lei nº 14.442/2022 trouxe mais clareza, incluindo um parágrafo importante no artigo 75-C da CLT: “As despesas resultantes da aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, bem como ao reembolso de despesas com energia elétrica e internet, serão de responsabilidade do empregador, salvo disposição em contrário estipulada em contrato individual de trabalho.”
Essa mudança foi fundamental. Portanto, a regra geral é que o empregador deve arcar com os custos de infraestrutura, a menos que o contrato de trabalho estabeleça o contrário de forma muito clara.
Por Que o Empregador Deve Pagar? O Princípio do Risco da Atividade Econômica
A lógica por trás dessa responsabilidade do empregador é simples: o princípio do risco da atividade econômica. A empresa é quem se beneficia da força de trabalho do empregado e, consequentemente, deve arcar com os custos de sua operação. Quando o trabalho migra para o ambiente doméstico do empregado, o empregador continua a ter os mesmos benefícios, mas os custos operacionais (como internet e energia) são transferidos para o trabalhador. Isso seria injusto e configuraria um “enriquecimento sem causa” por parte da empresa, que economiza em despesas de infraestrutura (aluguel de escritório, contas de luz e internet corporativas) enquanto o empregado arca com essas mesmas despesas em casa.
Além disso, a internet e a energia elétrica não são apenas “facilitadores”; elas são ferramentas essenciais e indispensáveis para a execução do trabalho remoto. Sem elas, a prestação do serviço seria inviável. É como exigir que um operário pague pela manutenção da máquina que ele opera na fábrica. Não faz sentido.
O Que Entra na Conta? Internet, Energia e Outros Gastos
Os gastos mais evidentes e comuns são a internet e a energia elétrica. Mas a lista de despesas que podem ser consideradas de responsabilidade do empregador vai além:
- Internet: O acesso à internet é a espinha dorsal do home office. Sem uma conexão estável e de qualidade, o trabalho simplesmente não acontece. O custo proporcional do uso residencial da internet para fins profissionais deve ser ressarcido.
- Energia Elétrica: Computadores, monitores, impressoras, iluminação adicional – tudo isso consome energia. O aumento na conta de luz do empregado é uma consequência direta do trabalho remoto e, portanto, deve ser compensado.
- Equipamentos: Se a empresa não fornece os equipamentos (notebook, monitor, teclado, mouse, fone de ouvido, etc.), a responsabilidade pela aquisição ou pelo aluguel e manutenção desses itens também recai sobre ela. O uso do equipamento pessoal do empregado (BYOD – Bring Your Own Device) deve ser compensado.
- Mobiliário e Ergonomia: Embora menos comum de ser indenizado diretamente via reembolso de contas, a empresa tem o dever de zelar pela saúde e segurança do trabalhador, mesmo em home office. Isso pode envolver a recomendação de cadeiras ergonômicas ou mesas adequadas. Algumas empresas optam por auxiliar o empregado na aquisição desses itens ou fornecer eles mesmos.
Como Calcular o Reembolso? Métodos e Desafios
A principal dificuldade em relação ao reembolso desses custos é o cálculo. Como separar o uso pessoal do uso profissional de internet e energia? Não existe uma fórmula mágica universal, mas algumas abordagens são comuns:
- Valor fixo mensal: Muitas empresas optam por pagar um valor fixo mensal, um “auxílio home office”, que englobe essas despesas. Esse valor é definido por acordo entre as partes, muitas vezes com base em uma estimativa razoável dos custos adicionais. A vantagem é a simplicidade. A desvantagem é que pode não cobrir a realidade de todos os empregados.
- Cálculo proporcional: Mais complexo, mas mais justo. Para a energia, pode-se estimar o consumo dos equipamentos de trabalho (watts por hora) e multiplicar pelas horas trabalhadas, descontando o consumo que já existiria se o empregado não estivesse em casa. Para a internet, pode-se calcular uma porcentagem do uso para o trabalho versus o uso pessoal, embora isso seja mais difícil de medir com precisão.
- Reembolso mediante comprovação: O empregado apresenta as contas de internet e luz, e a empresa reembolsa uma parte ou a totalidade do aumento. Essa é a forma mais transparente, mas exige mais burocracia.
Importante: o valor pago pelo empregador a título de reembolso de despesas com internet, energia elétrica e demais custos do home office não tem natureza salarial, ou seja, não integra o salário para fins de cálculo de férias, 13º salário, FGTS, INSS, etc., desde que esteja comprovadamente relacionado à execução do trabalho e previsto em contrato.
O Que Acontece se o Contrato Não Prevê o Reembolso?
A Lei 14.442/2022 é clara ao estabelecer que “serão de responsabilidade do empregador, salvo disposição em contrário estipulada em contrato individual de trabalho”. Isso significa que, se o contrato for omisso sobre o tema, ou seja, não fala nada sobre quem paga as despesas, a responsabilidade por padrão é do empregador.
Se o contrato explicitamente determinar que o empregado deve arcar com os custos de internet e energia, a situação se torna mais delicada. No entanto, mesmo nesses casos, há argumentos jurídicos para questionar essa cláusula, especialmente se ela configurar uma transferência indevida do risco da atividade econômica para o trabalhador. A justiça do trabalho tende a ser protetiva ao empregado, e cláusulas abusivas podem ser anuladas.
Ação Judicial: Quando e Como Buscar Seus Direitos
Se a empresa se recusa a arcar com os custos do home office, mesmo após ser notificada, o empregado pode buscar seus direitos judicialmente. Para isso, é fundamental:
- Documentar tudo: Guarde e-mails, mensagens, acordos, prints de conversas, e principalmente, as contas de internet e energia elétrica que demonstrem o aumento do consumo após o início do home office. Se possível, tenha provas de que a empresa sabia que você estava utilizando seus recursos.
- Provar o uso para o trabalho: A ligação entre o aumento dos custos e o desempenho das atividades laborais precisa ser clara.
- Buscar um advogado trabalhista: Este profissional poderá analisar seu caso, orientá-lo sobre a melhor forma de proceder e ingressar com uma reclamação trabalhista buscando o reembolso retroativo dos valores, além de eventuais danos morais se a situação tiver gerado sofrimento significativo.
Conclusão
A era do home office trouxe comodidade e flexibilidade, mas também a necessidade de adaptar as relações de trabalho à nova realidade. No que tange aos custos de internet e energia, a regra é clara: o ônus recai sobre o empregador. Isso reflete o princípio fundamental de que o risco da atividade econômica é do empregador, não do empregado.
Se você trabalha em home office e está arcando sozinho com essas despesas, é hora de revisar seu contrato de trabalho e, se necessário, buscar seus direitos. Contar com a orientação de um advogado especializado em direito do trabalho é fundamental para garantir que você seja justamente ressarcido e que seus direitos sejam respeitados. Não deixe que a modernidade do trabalho remoto se transforme em um custo extra para o seu bolso.