Posso cobrar multa por quebra de contrato mesmo se o imóvel foi reocupado rápido?

Uma chave de imóvel residencial repousando sobre um contrato de aluguel, simbolizando a quebra de contrato e a cobrança de multa rescisória.

Essa é, sem dúvida, uma das questões mais debatidas e que gera maior conflito entre locadores e inquilinos. Imagine a seguinte cena: o inquilino informa que precisa desocupar o imóvel antes do prazo final estipulado no contrato. Logo em seguida, para a sua sorte como locador, você consegue encontrar um novo morador em poucos dias, evitando que o imóvel fique vazio. A dúvida que surge é imediata: ainda assim, é justo e, principalmente, legal cobrar a multa pela quebra de contrato?

A resposta curta é: sim, em geral, você pode. No entanto, a questão é muito mais complexa do que um simples “sim” ou “não”. A legalidade dessa cobrança está amparada na lei, mas sua aplicação pode ser discutida na Justiça, dependendo das circunstâncias.

Como especialistas, nosso objetivo é desmistificar esse tema, mostrando o que a legislação diz, como os tribunais interpretam a situação e quais as melhores práticas para garantir seus direitos sem cometer excessos.

A Base Legal: O Que Diz a Lei do Inquilinato?

O ponto de partida para essa discussão é a Lei nº 8.245/91, mais conhecida como a Lei do Inquilinato. O artigo 4º dessa lei é claro ao estabelecer que o locador não pode reaver o imóvel alugado antes do fim do prazo do contrato. Por outro lado, o inquilino pode devolvê-lo, desde que pague a multa pactuada, também chamada de cláusula penal.

Essa multa deve ser calculada de forma proporcional ao período que ainda falta para o término do contrato.

Exemplo prático:

  • Contrato de 30 meses.
  • Multa estipulada em 3 vezes o valor do aluguel.
  • Inquilino desocupa o imóvel após 20 meses.

Nesse caso, ele cumpriu 2/3 do contrato e deixou de cumprir 1/3 (10 meses). Portanto, a multa a ser paga será de 1/3 do valor total estipulado (ou seja, o valor de 1 aluguel).

Até aqui, a lógica é puramente matemática e contratual. A polêmica começa justamente quando o fator “novo inquilino” entra na equação.

A Natureza da Multa: Compensação Pela Quebra, Não Pelo Prejuízo

O argumento principal do inquilino que se recusa a pagar a multa é, frequentemente, o de que o locador não teve prejuízo, uma vez que o imóvel não ficou vago e gerando despesas. “Se você já alugou para outra pessoa, cobrar a multa seria um enriquecimento ilícito“, eles afirmam.

Embora esse argumento tenha sua lógica do ponto de vista do senso comum, a interpretação majoritária do nosso Judiciário pensa diferente. O entendimento dominante, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é que a multa por quebra de contrato não tem natureza de indenização por perdas e danos (como aluguéis que deixaram de ser recebidos).

A natureza dessa multa é de cláusula penal compensatória. Em outras palavras, ela existe para penalizar a parte que quebrou o acordo e descumpriu o que foi assinado. Ela compensa o locador não pela perda do aluguel, mas pela quebra da expectativa do direito de receber os valores até o final do prazo contratado. O contrato era de 30 meses, e essa segurança foi quebrada unilateralmente. Consequentemente, a multa é devida pela simples infração contratual.

A relocação rápida do imóvel é, na visão da lei, uma nova relação jurídica, completamente independente da anterior, que foi encerrada de forma antecipada e irregular.

A Relativização da Multa: Quando o Judiciário Pode Intervir?

Apesar do entendimento geral favorecer o locador, a situação não é um cheque em branco para cobranças. O próprio Código Civil, em seu artigo 413, dá ao juiz o poder de reduzir a multa caso ela se mostre “manifestamente excessiva”, considerando a natureza e a finalidade do negócio.

É aqui que a rápida reocupação do imóvel ganha relevância. Ainda que não elimine o direito à multa, um advogado de defesa do inquilino pode usar esse fato como um forte argumento para pedir a redução do seu valor. O juiz, ao analisar o caso concreto, pode ponderar que, como o prejuízo material do locador foi mínimo ou inexistente, a aplicação da multa em seu valor cheio seria desproporcional.

Isso significa que a cobrança, embora legal na sua origem, pode ser considerada abusiva pelo Judiciário se as circunstâncias mostrarem um desequilíbrio muito grande. Por exemplo, se o locador cobra a multa e, ao mesmo tempo, aluga o imóvel por um valor superior ao do contrato anterior, a tese do enriquecimento ilícito ganha muita força.

Boas Práticas e a Importância da Negociação

Diante desse cenário complexo, a melhor saída é, muitas vezes, a negociação transparente e bem documentada.

  1. Para o Locador: Ao ser notificado da desocupação, formalize tudo por escrito. Calcule a multa proporcional e apresente-a ao inquilino. Se você conseguir um novo morador rapidamente, pode ser um gesto de boa-fé oferecer um pequeno desconto na multa para resolver a questão amigavelmente, evitando custos e desgastes de uma cobrança judicial. Lembre-se, ter o direito não significa que a busca por ele será fácil.
  2. Para o Inquilino: Não presuma que a reocupação do imóvel anula sua dívida. Comunique sua saída com a máxima antecedência possível, por escrito. Tente negociar o valor da multa com o locador, usando a rápida relocação como um argumento para um acordo, mas esteja ciente de que a cobrança proporcional é, a princípio, legítima.

Em ambos os casos, a assessoria de um advogado especialista em direito imobiliário é fundamental. Ele poderá analisar o contrato, verificar se a cláusula de multa é válida, calcular o valor proporcional correto e, principalmente, orientar sobre a melhor estratégia, seja para cobrar o valor de forma segura, seja para negociar uma redução justa.

Um Direito do Locador Que Deve Ser Usado com Bom Senso

Em suma, a resposta à pergunta inicial é clara: a rápida reocupação do imóvel não extingue, automaticamente, o direito do locador de cobrar a multa proporcional pela quebra de contrato. A multa penaliza a quebra do acordo, e não a perda de aluguéis.

No entanto, o bom senso e o princípio da boa-fé, que regem as relações contratuais, recomendam uma análise cuidadosa. Insistir na cobrança integral em um cenário onde não houve prejuízo pode levar a uma longa disputa judicial, cujo resultado pode ser a redução do valor pelo juiz. A consulta a uma advocacia especializada oferece a segurança para navegar por essa situação, garantindo que seus direitos sejam respeitados sem se transformarem em uma futura dor de cabeça.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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