Fui vítima de empréstimo consignado sem pedir: o que posso fazer?

Um aposentado olhando um extrato bancário com expressão de preocupação, ilustrando o artigo sobre o que fazer ao ser vítima de um empréstimo consignado sem pedir.

Descobrir um desconto no seu benefício do INSS, aposentadoria ou salário referente a um empréstimo que você jamais solicitou é uma das situações mais angustiantes para o consumidor. A primeira reação é uma mistura de confusão e indignação. De onde veio esse dinheiro? Quem autorizou esse desconto?

Infelizmente, como especialista que acompanha a evolução das práticas de mercado e suas implicações jurídicas, posso afirmar que esta é uma realidade assustadoramente comum. A concessão de empréstimo consignado não solicitado é uma das práticas abusivas mais recorrentes no sistema financeiro, visando principalmente aposentados, pensionistas e servidores públicos.

Muitas vezes, o banco ou a financeira deposita o valor na conta do consumidor sem qualquer aviso ou contrato assinado, iniciando os descontos nas folhas de pagamento seguintes. Em outros casos, o desconto simplesmente começa, sem que o consumidor sequer tenha recebido qualquer valor.

Se você está passando por isso, saiba que você não está sozinho e, mais importante, a lei está do seu lado. O que você precisa é de informação clara e ação estratégica. Este artigo é um guia prático e direto sobre os passos exatos que você deve tomar para cancelar o contrato, reaver seu dinheiro e buscar a devida reparação.

O Que Configura Exatamente o Empréstimo Não Solicitado?

Antes de tudo, é vital entender o cenário. O empréstimo consignado não solicitado ocorre quando uma instituição financeira aprova e libera um crédito em seu nome (geralmente depositando o valor em sua conta corrente ou poupança) sem que você tenha feito qualquer pedido formal, negociação ou assinado um contrato válido.

Essa prática é uma violação direta do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Artigo 39, inciso III, é taxativo ao proibir o fornecedor de “enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço”.

Quando um banco faz isso, ele assume integralmente o risco da operação. A simples transferência do valor para sua conta não cria uma obrigação de pagamento. Trata-se, na visão da lei, de uma amostra grátis, e a cobrança subsequente (os descontos no seu benefício) é considerada cobrança indevida.

O Passo a Passo Imediato: O Que Fazer Agora

A agilidade é sua maior aliada. Assim que identificar o depósito indevido ou o primeiro desconto no seu extrato, siga rigorosamente estes passos. A organização dessa documentação será fundamental, seja na esfera administrativa ou judicial.

1. Não Utilize o Dinheiro Depositado

Este é o ponto mais crítico. Se a instituição depositou o dinheiro na sua conta, não gaste um centavo desse valor. Ao utilizar o montante, mesmo que parcialmente, o banco poderá alegar em sua defesa que houve uma “aceitação tácita” (ou seja, que você concordou com o empréstimo ao usar o dinheiro). Isso enfraquece sua posição, embora não a invalide totalmente.

O valor deve permanecer intocado na sua conta, demonstrando sua boa-fé e a recusa imediata da oferta.

2. Contate Imediatamente a Instituição Financeira

O primeiro contato deve ser com o banco ou financeira responsável. Ligue para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).

Ao ligar, seja direto:

  • Informe que você não solicitou o empréstimo (cite o número do contrato, se houver, ou a data do desconto).
  • Solicite o cancelamento imediato do contrato por fraude ou vício de consentimento.
  • Peça a suspensão imediata dos descontos.
  • Solicite uma cópia do suposto contrato assinado. (Muitas vezes, eles não o terão, ou apresentarão uma assinatura grosseiramente falsificada).
  • Anote e guarde todos os números de protocolo. Este é o seu comprovante de que tentou resolver administrativamente.

3. Registre Reclamações nos Órgãos de Controle

Muitas vezes, o SAC não resolve o problema de forma ágil. Portanto, simultaneamente, formalize sua queixa em canais oficiais. Isso cria um registro público da má conduta do banco e pressiona por uma solução.

  • Consumidor.gov.br: Uma plataforma oficial do Governo Federal, monitorada pelo Procon e pela Senacon. As instituições financeiras são obrigadas a responder por lá, e o índice de resolução é alto.
  • Banco Central (Bacen): O Bacen é o órgão que regula os bancos. Uma reclamação formal lá gera uma demanda interna no banco e serve como estatística contra a instituição.
  • Procon do seu estado: Embora o Consumidor.gov seja mais ágil, o Procon local também pode mediar o conflito.

4. Registre um Boletim de Ocorrência (B.O.)

Dirija-se à delegacia de polícia mais próxima ou utilize a delegacia virtual (disponível na maioria dos estados) para registrar um Boletim de Ocorrência. O motivo? Fraude ou, dependendo do caso, estelionato.

O B.O. é um documento oficial que atesta que você foi vítima de uma atividade ilícita. Ele será uma prova robusta em uma eventual ação judicial.

A Devolução do Dinheiro: Como Proceder Corretamente

Se o dinheiro está na sua conta, você precisa devolvê-lo. No entanto, não faça uma transferência (TED ou PIX) por conta própria.

Você deve exigir que o banco emita um boleto bancário ou forneça instruções formais (por e-mail, por exemplo) para a devolução do valor exato que foi depositado, sem qualquer acréscimo de juros, taxas ou correção monetária. A responsabilidade e o custo da operação são inteiramente do banco que cometeu o erro.

Ao pagar o boleto, guarde o comprovante. Isso encerra a discussão sobre o valor principal. Agora, vamos falar sobre os danos que você sofreu.

Seus Direitos Vão Além do Cancelamento

Aqui é onde o conhecimento jurídico se torna crucial. A resolução desse problema não termina apenas com o cancelamento do contrato. A prática abusiva do banco gerou consequências que devem ser reparadas.

Restituição em Dobro (Repetição de Indébito)

Se algum valor já foi descontado do seu benefício ou salário, o Código de Defesa do Consumidor é claro. O Artigo 42, parágrafo único, determina que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à restituição em dobro do valor pago em excesso (salvo hipótese de engano justificável, o que raramente se aplica em fraudes de consignado).

Ou seja, se descontaram R$ 300,00, você tem o direito de receber R$ 600,00 de volta.

Indenização por Danos Morais

O transtorno de ter um empréstimo fraudulento em seu nome vai muito além do mero aborrecimento. A Justiça tem entendido consistentemente que esta situação gera, sim, dano moral indenizável.

Por quê?

  1. Comprometimento da Renda: Os descontos afetam diretamente sua verba alimentar (salário, aposentadoria), privando você de valores essenciais para sua subsistência.
  2. Perda do Tempo Útil (Desvio Produtivo): Todo o tempo que você gasta em ligações, registrando reclamações e indo à delegacia para resolver um problema que você não criou é um tempo “roubado” da sua vida. Isso é passível de indenização.
  3. Angústia e Insegurança: A sensação de vulnerabilidade, de ter seus dados expostos e seu nome usado em fraudes, gera um estresse psicológico que merece reparação.

Não Deixe a Burocracia Vencer Seus Direitos

Ser vítima de uma fraude de empréstimo consignado é exaustivo. Os bancos, muitas vezes, apostam no seu cansaço e na complexidade da burocracia para que você desista no meio do caminho ou aceite um acordo desvantajoso (como simplesmente cancelar o contrato sem restituir o que foi pago em dobro).

Você seguiu os passos administrativos, mas a resposta foi lenta ou insatisfatória? O banco se recusa a cancelar o contrato, ou oferece apenas a devolução simples dos valores? É neste momento que a assistência de um advogado especialista se torna indispensável.

Um profissional capacitado não apenas cuidará de toda a burocracia, mas garantirá que seus direitos sejam plenamente restabelecidos. A busca pela restituição em dobro e pela indenização por danos morais raramente é atendida administrativamente; ela exige uma postura firme e, na maioria das vezes, uma ação judicial bem fundamentada.

Não aceite ser lesado. O silêncio e a inércia são exatamente o que as instituições fraudulentas esperam de você.

Se você foi vítima de um empréstimo consignado não solicitado e precisa de orientação personalizada para garantir que seus direitos sejam respeitados, entre em contato. Nossa equipe de especialistas está pronta para analisar seu caso, esclarecer suas dúvidas e buscar a reparação justa que você merece.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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