Inquilino que abandona o imóvel: o que o locador pode fazer?

Advogado especialista em direito imobiliário explicando ao locador o que fazer legalmente quando o inquilino abandona o imóvel alugado.

A gestão de imóveis alugados apresenta desafios constantes, mas poucos são tão frustrantes e juridicamente complexos quanto o abandono do imóvel pelo inquilino. O cenário é clássico: o locatário desaparece subitamente, deixa de pagar o aluguel, corta a comunicação e, o mais crítico, não devolve formalmente as chaves.

Diante de contas acumuladas e da impossibilidade de locar o bem para terceiros, a reação impulsiva de muitos proprietários é arrombar a porta, trocar as fechaduras e retomar o controle. Contudo, essa atitude, embora compreensível, é um erro jurídico grave que pode transformar o locador, a vítima da situação, em réu em um processo judicial.

O abandono de imóvel não extingue o contrato de locação automaticamente. A posse legal, mesmo que o inquilino não esteja fisicamente presente, ainda pertence a ele enquanto o contrato viger.

Então, o que o locador pode fazer? Existe um caminho legal, seguro e eficaz para retomar o imóvel e minimizar os prejuízos. Neste artigo, abordaremos, sob a ótica jurídica e prática, o passo a passo que todo proprietário deve seguir ao se deparar com essa complexa situação.

1. Identificando o Abandono de Imóvel: A Diferença Crucial entre Ausência e Abandono

O primeiro passo é diferenciar uma simples ausência temporária do efetivo abandono. O inquilino pode ter viajado a trabalho, tirado férias prolongadas ou estar hospitalizado. A mera falta de pagamento, por si só, não configura abandono.

O abandono exige a clara intenção do locatário de não retornar ao imóvel (o chamado animus abandonandi). Para que o locador possa agir judicialmente, ele precisa reunir provas robustas dessa intenção. Essas evidências podem incluir:

  • Testemunho de vizinhos: Declarações de que viram o inquilino realizando uma mudança, ou que confirmam a ausência de qualquer movimentação por semanas ou meses.
  • Contas de consumo: Faturas de água, luz ou gás zeradas (indicando falta de uso) ou cortadas por falta de pagamento.
  • Correspondências acumuladas: Cartas e boletos visivelmente intocados na caixa de correio.
  • Tentativas de contato frustradas: E-mails, mensagens de WhatsApp e ligações não respondidas por um longo período.

É fundamental que o locador documente essas evidências. Uma Ata Notarial, lavrada por um tabelião que se dirige ao local e descreve o estado aparente de abandono, é um instrumento probatório de imenso valor jurídico.

2. O Risco Imediato: Por Que o Locador Não Pode Simplesmente Entrar no Imóvel?

Este é o ponto nevrálgico da questão. Enquanto o contrato de locação estiver válido, a entrada forçada no imóvel pelo locador, mesmo que este seja o proprietário, pode configurar crimes como violação de domicílio (Art. 150 do Código Penal).

Além disso, se o inquilino reaparecer e alegar que bens pessoais (móveis, eletrônicos) foram danificados ou subtraídos, o locador poderá ser processado por perdas e danos. A “justiça com as próprias mãos” é vetada pelo ordenamento jurídico.

Portanto, não troque as fechaduras e não entre no imóvel sem autorização judicial. A posse legítima só pode ser retomada por meio de uma decisão da Justiça.

3. O Caminho Legal: A Ação de Despejo por Abandono e a Imissão na Posse

O mecanismo correto para solucionar o problema é o ajuizamento de uma Ação de Despejo. Mesmo que o inquilino não esteja mais lá, esta é a ação designada pela Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91) para rescindir o contrato e reaver o bem.

Neste caso específico, o processo tem um objetivo central e imediato: obter a imissão na posse.

Diferente de um despejo comum, onde se busca a saída do ocupante, aqui se busca a confirmação do abandono para que o juiz autorize o proprietário a entrar legalmente no imóvel.

O Pedido Liminar (Tutela de Urgência)

O locador não precisa, e não deve, esperar até o final do processo para reaver seu imóvel. O tempo é crucial, pois cada dia com o imóvel fechado representa prejuízo (lucros cessantes).

Por isso, o advogado responsável pela ação solicitará uma tutela de urgência (conhecida popularmente como liminar). Para concedê-la, o juiz analisará as provas de abandono apresentadas (aquelas que mencionamos no item 1).

Se o juiz se convencer da veracidade do abandono, ele expedirá um Mandado de Constatação e Imissão na Posse.

4. O Papel do Oficial de Justiça: A Retomada Segura do Imóvel

Este é o momento em que a situação é efetivamente resolvida. O juiz não autoriza o locador a ir lá sozinho; ele determina que um Oficial de Justiça cumpra a diligência.

O procedimento ocorre da seguinte forma:

  1. Constatação: O Oficial de Justiça irá até o imóvel para certificar (dar fé pública) que o local se encontra, de fato, abandonado, descrevendo o que encontrar.
  2. Arrolamento de Bens (Se houver): Caso o inquilino tenha deixado pertences para trás, o Oficial fará um arrolamento (uma lista) desses bens.
  3. Nomeação de Depositário: Esses bens não podem ser jogados fora. O Oficial nomeará um “depositário”, que geralmente é o próprio locador ou alguém por ele indicado, que deverá guardar os itens por um prazo determinado, caso o inquilino os reclame.
  4. Imissão na Posse: Cumpridas as etapas anteriores, o Oficial de Justiça formalmente “imite” o locador na posse. A partir deste momento, lavrado o Auto de Imissão na Posse, o proprietário está legalmente autorizado a trocar as fechaduras, fazer os reparos necessários e anunciar o imóvel para uma nova locação.

5. E as Dívidas? A Cobrança dos Aluguéis e Encargos

A retomada do imóvel é apenas metade da solução. O abandono quase sempre vem acompanhado de dívidas: aluguéis atrasados, multas contratuais, condomínio, IPTU e contas de consumo.

A boa notícia é que a mesma Ação de Despejo pode ser cumulada com um pedido de cobrança.

Isso significa que, no mesmo processo, o juiz declarará a rescisão do contrato, determinará a imissão na posse e, ao final, condenará o inquilino (e seus fiadores, se houver) ao pagamento de todos os débitos em aberto, acrescidos de juros, correção monetária e multas previstas em contrato.

Ter uma garantia sólida no contrato (como um fiador com imóveis ou um seguro-fiança) é vital para aumentar as chances de efetivamente receber esses valores após o término do processo.

Conclusão: Não Transforme um Prejuízo em um Risco Legal

O abandono de imóvel pelo inquilino testa a paciência do locador, colocando-o em uma posição de vulnerabilidade financeira e operacional. O tempo, neste cenário, é literalmente dinheiro, pois o capital imobilizado deixa de gerar receita.

No entanto, a agilidade não pode atropelar a legalidade. Agir por impulso, retomando a posse à força, é o caminho mais curto para agravar o problema, gerando riscos criminais e cíveis que podem superar em muito o prejuízo do aluguel atrasado.

O procedimento judicial de imissão na posse por abandono, embora exija a atuação de um advogado, é a única forma segura, eficaz e definitiva de reaver seu patrimônio e buscar o ressarcimento das dívidas. A lei protege o proprietário, desde que os ritos corretos sejam seguidos.

Não permita que a burocracia ou a complexidade da situação paralisem sua ação. Um diagnóstico preciso e uma atuação jurídica rápida são fundamentais para mitigar seus prejuízos e recuperar seu imóvel com segurança.

Nosso escritório é especializado em Direito Imobiliário e na gestão de conflitos locatícios. Se você está enfrentando o abandono de imóvel ou outras dificuldades com sua locação, entre em contato conosco. Oferecemos uma análise personalizada do seu caso para traçar a estratégia judicial mais célere e eficiente.

Agende uma consulta para receber orientação detalhada ou solicite um orçamento para ajuizamento da ação competente.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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