Posso cancelar a compra do imóvel na planta e receber meu dinheiro de volta?

Casal analisando contrato de imóvel na planta com calculadora, representando o cálculo de devolução de valores no distrato imobiliário.

A assinatura de um contrato de compra e venda de um imóvel na planta é, para muitos brasileiros, a materialização de um projeto de vida. Envolve planejamento financeiro, expectativas familiares e o sonho da casa própria. No entanto, o cenário econômico é dinâmico e imprevistos acontecem: o desemprego, a perda de renda, o aumento excessivo das parcelas (INCC) ou até mesmo uma mudança de planos pessoais podem transformar esse sonho em uma fonte de angústia.

Diante da impossibilidade de continuar pagando as prestações, surge a dúvida inevitável e urgente: é possível desfazer o negócio e recuperar os valores investidos?

A resposta curta é sim. O consumidor não é obrigado a manter um contrato que comprometa sua subsistência. Contudo, a forma como esse cancelamento ocorre — juridicamente chamado de Distrato Imobiliário — e o montante a ser devolvido dependem de regras específicas, especialmente após a vigência da Lei do Distrato (Lei 13.786/2018).

Se você adquiriu um imóvel em São Paulo ou região e está considerando essa possibilidade, é crucial entender seus direitos para não aceitar propostas abusivas das construtoras. Neste artigo, explicaremos detalhadamente como funciona a devolução de valores e o que a legislação prevê.

O Que é o Distrato e Quem Tem Culpa na Rescisão?

O primeiro passo para entender o quanto você receberá de volta é identificar o motivo do cancelamento. No Direito Imobiliário, a “culpa” pela rescisão define as penalidades. Existem, basicamente, dois cenários:

1. Rescisão por Culpa da Construtora (Atraso na Obra)

Se a construtora atrasou a entrega das chaves por um período superior a 180 dias (o prazo de tolerância comum em contratos), a culpa é exclusiva da empresa.

Neste caso, a lei é rigorosa a favor do consumidor: você tem direito ao cancelamento do contrato com a devolução de 100% dos valores pagos, em parcela única, corrigidos monetariamente, além da possibilidade de pleitear multas contratuais. Não pode haver retenção de nenhum centavo por parte da incorporadora.

2. Rescisão por Vontade do Comprador (Dificuldade Financeira)

Este é o cenário mais comum: a construtora está cumprindo o cronograma, mas o comprador não consegue mais pagar ou simplesmente não quer mais o imóvel.

Nesta situação, o comprador tem o direito de desistir, mas a construtora tem o direito de ser ressarcida pelas despesas administrativas e pela quebra da expectativa de contrato. É aqui que entram as multas e retenções que geram a maioria das discussões judiciais.

Quanto a Construtora Pode Reter do Meu Dinheiro?

Com a entrada em vigor da Lei do Distrato em dezembro de 2018, as regras ficaram mais rígidas para contratos assinados após essa data. A porcentagem de retenção varia de acordo com o regime jurídico do empreendimento:

  • Regra Geral: A construtora pode reter até 25% dos valores pagos pelo comprador a título de multa penal.
  • Regime de Patrimônio de Afetação: Se o empreendimento estiver sob este regime (muito comum em grandes construções em São Paulo, onde o patrimônio da obra é separado do patrimônio da construtora para garantir a entrega), a multa pode chegar a 50% dos valores pagos.

Além da multa percentual, podem ser descontados:

  • Comissão de corretagem (se estava prevista de forma clara);
  • Impostos incidentes sobre o imóvel;
  • Taxa de fruição (se você já chegou a morar ou ter a posse do imóvel).

E os Contratos Antigos (Antes de 2018)?

Para contratos assinados antes da nova lei, o entendimento majoritário dos tribunais, inclusive do STJ, costuma ser mais benéfico ao consumidor, fixando a retenção entre 10% e 25% dos valores pagos, dependendo do caso concreto, considerando abusiva qualquer retenção superior.

O Perigo de Parar de Pagar por Conta Própria

Um erro estratégico grave que muitos consumidores cometem é simplesmente interromper o pagamento dos boletos e “esperar para ver o que acontece”.

Ao fazer isso sem uma notificação formal ou sem uma medida judicial que autorize a suspensão, o comprador torna-se inadimplente. As consequências podem ser:

  1. Leilão Extrajudicial: A construtora pode levar o imóvel a leilão para quitar a dívida. Se isso acontecer, muitas vezes o valor arrecadado cobre apenas o saldo devedor, e o comprador perde tudo o que pagou, sem direito a reembolso.
  2. Negativação: Seu nome pode ser inscrito nos órgãos de proteção ao crédito (SPC/Serasa).

Portanto, se a decisão de cancelar já foi tomada, a formalização do pedido de distrato deve ser imediata.

O Prazo para Receber o Dinheiro

A devolução dos valores não ocorre necessariamente no dia seguinte à assinatura do distrato. A lei estipula prazos que variam conforme o regime do empreendimento:

  • Com Patrimônio de Afetação: O pagamento é feito em até 30 dias após a expedição do “Habite-se” (conclusão da obra). Ou seja, você pode ter que esperar a obra terminar para receber.
  • Sem Patrimônio de Afetação: O pagamento deve ocorrer em até 180 dias após o desfazimento do contrato.
  • Revenda da Unidade: Se você (ou a construtora) encontrar outro comprador que o substitua no contrato, a devolução pode ser antecipada.

A Importância da Análise Contratual Profissional

Muitas construtoras, ao receberem o pedido de cancelamento, apresentam um cálculo de rescisão que consome quase todo o valor pago pelo cliente, aplicando cláusulas que podem ser consideradas abusivas ou interpretando a lei de forma equivocada.

Em nossa atuação consultiva e contenciosa em São Paulo, frequentemente identificamos termos de distrato que tentam impor a retenção de corretagem não informada previamente ou aplicar a multa de 50% em empreendimentos que não possuem o registro correto de Patrimônio de Afetação.

Um advogado especialista analisará:

  1. Se o contrato segue a Lei do Distrato ou a jurisprudência anterior.
  2. Se a construtora está em dia com o cronograma (o que mudaria o cenário para devolução total).
  3. Se os cálculos de correção monetária sobre o valor a ser devolvido estão corretos.

O objetivo é garantir que o equilíbrio financeiro seja respeitado, assegurando que o consumidor recupere o máximo permitido por lei, sem sofrer descontos indevidos.

Perguntas Frequentes (Mini-FAQ)

1. Posso desistir da compra mesmo se não houver motivo financeiro, apenas porque mudei de ideia? Sim. O direito ao distrato independe de justificativa de falência pessoal. Contudo, ao desistir sem culpa da construtora, você estará sujeito às multas contratuais previstas na lei.

2. A construtora pode parcelar a devolução do meu dinheiro? Depende. Se o distrato for amigável, as partes podem acordar o parcelamento. Porém, em casos de culpa da construtora (atraso), a Súmula 543 do STJ determina que a devolução deve ser imediata, não podendo ser parcelada.

3. Perco a comissão de corretagem ao cancelar? Geralmente, sim. Se o serviço de corretagem foi efetivamente prestado e estava destacado no contrato com valor claro, a lei permite que esse valor não seja devolvido em caso de desistência do comprador.

4. O que é o “Arrependimento de 7 dias”? Se você assinou o contrato em estandes de vendas ou fora da sede da construtora, a lei garante o direito de arrependimento em até 7 dias. Nesse caso, a devolução é de 100% de todos os valores, inclusive taxas e corretagem.

Conclusão

Cancelar a compra de um imóvel na planta é um processo estressante, mas previsto em lei. O que não pode acontecer é o consumidor, parte mais vulnerável da relação, arcar com prejuízos desproporcionais ou perder tudo o que investiu ao longo de anos de trabalho.

Cada contrato possui cláusulas específicas e cada empreendimento tem um regime jurídico próprio. O que serve para o seu vizinho pode não se aplicar ao seu caso. Por isso, a informação qualificada é a sua maior defesa.

Não assine termos de confissão de dívida ou de distrato sem antes entender se os valores oferecidos estão corretos. Se você precisa de uma análise detalhada do seu contrato ou de orientação sobre como notificar a construtora para reaver seus valores de forma justa, nossa equipe está pronta para auxiliar com a seriedade e a competência que o seu patrimônio exige.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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