Fui considerado inapto após uma lesão no Exército. Posso recorrer?

Fui considerado inapto após uma lesão no Exército. Posso recorrer?

A carreira militar no Exército Brasileiro exige dedicação, disciplina e, não raro, a exposição a riscos inerentes à atividade. Infelizmente, acidentes e lesões podem ocorrer durante o treinamento, em operações ou mesmo em decorrência das condições do serviço. Quando uma lesão no Exército resulta em uma declaração de inaptidão para o serviço ativo, o militar se vê diante de um cenário de incertezas sobre seu futuro profissional, sua saúde e seus direitos.

A decisão de uma Junta de Inspeção de Saúde (JIS) que considera um militar inapto pode levar à sua desincorporação, licenciamento ou reforma, muitas vezes com proventos que não condizem com a gravidade da lesão ou com o seu impacto na capacidade de trabalho. Contudo, é fundamental saber que essa decisão não é final e absoluta. O militar que se sentir prejudicado tem o direito de recorrer, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, para buscar o reconhecimento de seus direitos.

Este artigo visa esclarecer os principais pontos sobre a inaptidão decorrente de lesão no Exército, quais são os direitos do militar nessa situação e quais os caminhos para contestar uma decisão desfavorável da junta médica.

Lesão em Serviço e Inaptidão: Entendendo os Conceitos

Antes de discutir como recorrer, é crucial entender alguns conceitos-chave:

  • Lesão ou Doença Adquirida em Serviço: Refere-se a qualquer agravo à saúde – seja um acidente, uma lesão ou uma doença – que tenha ocorrido durante a prestação do serviço militar ou que tenha sido desencadeado ou agravado pelas condições especiais do trabalho militar. Isso inclui desde acidentes em treinamento físico ou manobras até doenças desenvolvidas devido à exposição a agentes nocivos ou esforço excessivo.
  • Nexo de Causalidade (Relação de Causa e Efeito): Este é, talvez, o ponto mais crítico. Para que o militar tenha direitos específicos (como a reforma com proventos integrais ou de grau superior), é essencial comprovar que a lesão ou doença que causou a inaptidão tem uma relação direta de causa e efeito com o serviço militar. Esse nexo de causalidade geralmente é apurado através de Sindicância ou, mais formalmente, por um Inquérito Sanitário de Origem (ISO). A ausência ou falha no reconhecimento desse nexo é um motivo frequente de litígio.
  • Inaptidão: É a condição do militar que, avaliado pela Junta de Inspeção de Saúde (JIS), é considerado incapaz de permanecer no serviço ativo das Forças Armadas. Essa incapacidade pode ser temporária ou definitiva. É importante diferenciar a incapacidade definitiva apenas para o serviço militar da invalidez, que é a incapacidade definitiva para todo e qualquer trabalho, público ou privado.
  • Junta de Inspeção de Saúde (JIS): Órgão médico pericial da estrutura de saúde do Exército, responsável por avaliar as condições de saúde dos militares, emitir pareceres sobre aptidão ou inaptidão, e fundamentar decisões como licenças, dispensas e processos de reforma.

Quais os Direitos do Militar Inapto por Lesão em Serviço?

Quando a inaptidão é comprovadamente decorrente de lesão ou doença adquirida em serviço, o militar possui uma série de direitos garantidos pelo Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) e outras legislações específicas. A negativa desses direitos justifica a busca por recorrer da decisão administrativa. Os principais direitos incluem:

  1. Tratamento Médico Integral: O militar tem direito a receber todo o tratamento médico-hospitalar necessário para sua condição, custeado pela Força (através do Fundo de Saúde do Exército – FUSEX ou em hospitais militares), até a sua recuperação ou a estabilização da lesão/doença.
  2. Encostamento: Caso o tempo de serviço obrigatório ou de engajamento termine enquanto o militar ainda está em tratamento por lesão ou doença adquirida em serviço, ele não deve ser simplesmente licenciado. Ele tem o direito de permanecer “encostado” à sua unidade militar, sem receber remuneração (salvo se já estabilizado e aguardando reforma), mas mantendo o direito ao tratamento médico integral até a alta ou decisão sobre reforma. O licenciamento indevido de militar em tratamento é ilegal.
  3. Licença para Tratamento de Saúde (LTS): Durante o tratamento, o militar da ativa tem direito a afastamentos remunerados.
  4. Reintegração / Readmissão: Se a incapacidade for considerada temporária pela JIS, ao final do tratamento e constatada a recuperação da aptidão (mesmo que com restrições para algumas atividades), o militar tem direito a ser reintegrado às fileiras do Exército.
  5. Reforma (Aposentadoria Militar por Invalidez): Este é o direito mais relevante em casos de incapacidade definitiva. A reformaex officio (determinada pela administração) ocorre quando a JIS conclui que o militar está permanentemente incapaz para o serviço ativo. A forma como essa reforma é concedida é crucial:
    • Com proventos (soldo) integrais do posto ou graduação atual: Ocorre quando o militar é considerado incapaz definitivamente apenas para o serviço militar, mas ainda capaz para outras atividades civis, e a lesão/doença teve nexo de causalidade com o serviço.
    • Com proventos (soldo) integrais do posto ou graduação imediatamente superior: Ocorre quando o militar é considerado inválido, ou seja, incapaz permanentemente para todo e qualquer trabalho (não apenas o militar), e essa invalidez decorre de acidente em serviço, doença profissional ou outras condições graves especificadas em lei (como alienação mental, cegueira, cardiopatia grave, etc.) relacionadas ao serviço. Esta é uma das maiores fontes de disputa, pois muitas vezes a JIS reconhece a incapacidade apenas para o serviço militar, quando na verdade o militar está inválido.
    • Proventos Proporcionais: Se a incapacidade definitiva não tiver nexo de causalidade com o serviço, a reforma pode ocorrer com proventos proporcionais ao tempo de serviço (observadas regras específicas).
  6. Auxílio-Invalidez: Um adicional pago ao militar reformado por invalidez que necessite de internação especializada ou assistência/cuidados permanentes de enfermagem, conforme regulamentação específica.
  7. Isenção de Imposto de Renda: Os proventos de reforma motivada por acidente em serviço ou doença grave especificada em lei são isentos de Imposto de Renda.

Por Que e Como Contestar a Decisão de Inaptidão?

Muitas vezes, a decisão da JIS ou o ato administrativo subsequente (licenciamento, reforma com proventos inferiores) não refletem adequadamente a condição do militar ou seus direitos. Os principais motivos para recorrer incluem:

  • Erro na avaliação médica: Diagnóstico incorreto, subestimação da gravidade da lesão ou de suas sequelas.
  • Não reconhecimento do nexo de causalidade: Falha na Sindicância/ISO ou desconsideração pela JIS da relação entre a lesão/doença e o serviço.
  • Avaliação equivocada da capacidade laboral: Considerar o militar apto quando não está, ou capaz para todo trabalho quando é inválido.
  • Concessão de reforma com proventos incorretos: Não aplicar o direito ao soldo do grau hierárquico imediato em caso de invalidez comprovada.
  • Licenciamento/Desincorporação Ilegal: Dispensar o militar que ainda necessita de tratamento médico (encostamento).
  • Falta de motivação ou vícios no procedimento: Decisões não fundamentadas ou que desrespeitaram o direito à ampla defesa na esfera administrativa.

Se você se encontra em uma dessas situações, veja os passos para recorrer:

1. Reúna Toda a Documentação: Solicite cópias integrais de: * Ata(s) da Junta de Inspeção de Saúde (JIS) e parecer(es). * Prontuários médicos do tratamento realizado no sistema de saúde militar. * Documentos da Sindicância ou ISO, se houver. * Boletins Internos (BI) que publicaram atos relacionados (inspeção, licença, reforma, etc.). * Busque também laudos, exames e relatórios médicos particulares atualizados que descrevam sua condição e limitações.

2. Recurso Administrativo:

  • É possível apresentar um recurso administrativo dentro da própria estrutura do Exército, dirigido a uma instância superior à JIS que proferiu a decisão (como a Junta de Inspeção de Saúde de Recurso – JISR).
  • Consulte as normas internas do Exército (instruções sobre perícias médicas, regulamentos disciplinares) para verificar os prazos e procedimentos corretos. Geralmente os prazos são curtos.
  • Anexe ao recurso toda a documentação reunida, especialmente os laudos particulares que contestam a decisão da JIS.

3. Ação Judicial:

  • Se o recurso administrativo for negado, ou mesmo que não seja utilizado, a via judicial é o caminho mais efetivo para reverter decisões ilegais.
  • A ação cabível é, geralmente, uma Ação Ordinária proposta na Justiça Federal, tendo a União Federal (representando o Exército) no polo passivo.
  • Pedidos Principais:
    • Anulação do ato administrativo ilegal (a decisão da JIS, o ato de licenciamento, o ato de reforma incorreta).
    • Realização de perícia médica judicial por um perito imparcial nomeado pelo juiz (esta perícia é fundamental para o processo).
    • Reconhecimento do nexo de causalidade.
    • Determinação da reintegração para tratamento (encostamento) ou da reforma com os proventos corretos (integrais do posto/graduação atual ou do grau hierárquico imediato, conforme o caso de invalidez).
    • Pagamento das diferenças de remuneração atrasadas (últimos 5 anos).
    • Reconhecimento da isenção de Imposto de Renda.
    • Concessão do auxílio-invalidez, se aplicável.
    • Indenização por danos morais (pelo sofrimento causado pela negativa indevida de direitos) e/ou danos materiais (despesas médicas não cobertas, por exemplo).

O Papel Indispensável do Advogado Especialista em Direito Militar

A legislação militar é específica e complexa, cheia de regulamentos próprios e interpretações consolidadas na jurisprudência. Tentar recorrer de uma decisão de inaptidão sem a devida orientação pode ser frustrante e ineficaz.

Um advogado especialista:

  • Conhece profundamente o Estatuto dos Militares e as normas de saúde das Forças Armadas.
  • Sabe como analisar a documentação médica e administrativa para identificar ilegalidades.
  • Tem experiência em lidar com a União Federal na Justiça Federal.
  • Sabe como requerer e acompanhar a perícia médica judicial, formulando quesitos pertinentes.
  • Está atualizado sobre as decisões dos tribunais em casos semelhantes.

Investir em assessoria jurídica especializada aumenta significativamente as chances de sucesso na sua demanda.

Fique Atento ao Prazo Prescricional!

Para ajuizar a Ação Ordinária contra a União Federal, buscando direitos não reconhecidos ou a anulação de atos ilegais, o prazo prescricional geral é de 5 anos, contados da data do ato que lesou o direito (por exemplo, a data do licenciamento indevido, da publicação da reforma com proventos errados, etc.). Não deixe o tempo passar!

Ser considerado inapto após sofrer uma lesão no Exército é uma situação difícil, mas não significa o fim dos seus direitos. A decisão da Junta de Inspeção de Saúde pode e deve ser questionada se for ilegal ou injusta. O reconhecimento do nexo de causalidade, o direito ao tratamento integral, a possibilidade de reforma com proventos condizentes com a real capacidade laboral (inclusive do grau hierárquico imediato em caso de invalidez) e a isenção de Imposto de Renda são direitos pelos quais vale a pena lutar.

O caminho para recorrer exige organização da documentação, conhecimento dos procedimentos administrativos e, principalmente, a busca pela via judicial acompanhado por um advogado especialista. A perícia médica judicial costuma ser decisiva nesses casos.

Se você está passando por essa situação, não hesite em Entrar em contato para avaliar seu caso e defender seus direitos.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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