Historicamente, a violência doméstica foi por muito tempo associada, na percepção popular e em grande parte da jurisprudência, a situações em que a mulher era a vítima e o homem o agressor. No entanto, a realidade é mais complexa e, cada vez mais, nos deparamos com casos em que o homem é ameaçado por ex-companheira, sofrendo violência doméstica de diversas formas. Seja por ameaças de morte, violência psicológica, extorsão ou falsas acusações, a verdade é que homens também podem ser vítimas e, como tal, têm o direito de buscar amparo legal e medidas protetivas. É fundamental desmistificar a ideia de que a proteção se restringe a um único gênero e informar sobre os caminhos legais disponíveis para garantir a segurança e a integridade de todos.
A Invisibilidade da Violência Contra Homens
Ainda que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) seja um marco importante na proteção da mulher contra a violência, o ordenamento jurídico brasileiro possui outros mecanismos para proteger vítimas de agressão, independentemente do gênero. Infelizmente, muitos homens que sofrem ameaças ou violência por parte de ex-companheiras hesitam em denunciar, seja por vergonha, medo de serem desacreditados ou pela falta de conhecimento sobre seus direitos.
É crucial entender que a violência não tem gênero. Ela pode se manifestar de diversas formas:
- Violência Psicológica: Ameaças constantes, humilhações, manipulação emocional, controle excessivo, chantagem.
- Violência Patrimonial: Destruição de bens, retenção de documentos, extorsão financeira.
- Violência Física: Agressões corporais, empurrões, socos, mesmo que não deixem marcas visíveis.
- Ameaças: Promessas de causar mal físico, psicológico ou moral à vítima ou a seus entes queridos.
- Perseguição (Stalking): Monitoramento constante, ligações e mensagens incessantes, aparições inesperadas em locais frequentados pela vítima.
Ao vivenciar qualquer uma dessas situações, a primeira e mais importante atitude é buscar ajuda.
Onde e Como Denunciar a Ameaça?
Para o homem que se encontra na situação de ser ameaçado por ex-companheira, o primeiro passo é formalizar a denúncia. Diferentemente dos casos envolvendo mulheres, onde a delegacia especializada de atendimento à mulher (DEAM) é o local primário, o homem deve procurar:
- Delegacia de Polícia Civil Comum: Em qualquer delegacia de polícia, você pode registrar um Boletim de Ocorrência (B.O.) descrevendo detalhadamente as ameaças e as situações de violência. É fundamental relatar datas, horários, locais, e se possível, apresentar provas (mensagens de texto, áudios, vídeos, e-mails, prints de redes sociais, testemunhas). Quanto mais detalhes, mais robusta será a sua denúncia.
- Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180): Embora o serviço seja focado em mulheres, o Ligue 180 também pode oferecer orientações gerais sobre como buscar ajuda e onde direcionar a denúncia em casos de violência contra o homem. Embora não seja o canal direto para a denúncia de um homem, pode ser um ponto de partida para obter informações sobre o sistema de segurança pública.
- Ministério Público: Em casos mais graves ou se houver omissão por parte da polícia, o Ministério Público pode ser acionado. Eles são os fiscais da lei e podem tomar as providências cabíveis.
Ao registrar a ocorrência, seja claro e objetivo. Relate os fatos cronologicamente e mencione o medo e a sensação de perigo que as ameaças têm gerado. É a partir desse registro que o processo para a solicitação de medida protetiva se iniciará.
A Medida Protetiva para Homens: Fundamentação Legal
Muitos se perguntam: se a Lei Maria da Penha é para mulheres, qual o amparo legal para o homem solicitar medida protetiva? A resposta reside em outros dispositivos do Código de Processo Penal (CPP) e na interpretação da Constituição Federal, que garante a todos o direito à vida, à segurança e à integridade física e psicológica, independentemente do gênero.
As medidas protetivas para homens são concedidas com base no Código de Processo Penal (CPP), especificamente nos artigos 319 e 320, que tratam das medidas cautelares diversas da prisão. Além disso, o próprio Código Civil pode ser invocado em situações que configurem ilícito civil, como danos morais ou materiais.
O artigo 319 do CPP prevê diversas medidas que podem ser aplicadas pelo juiz para proteger a vítima e garantir a ordem pública, tais como:
- Proibição de contato: A agressora fica proibida de se aproximar da vítima, de seus familiares e das testemunhas, fixando um limite mínimo de distância.
- Proibição de frequentar determinados lugares: Impedimento de que a agressora vá a locais específicos onde a vítima costuma frequentar, como o trabalho, a escola dos filhos, ou a residência.
- Suspensão do porte de arma: Se a agressora possuir porte ou posse de arma de fogo.
- Comparecimento periódico em juízo: A agressora é obrigada a comparecer regularmente ao fórum.
Para que essas medidas sejam concedidas, o juiz analisará a existência de provas mínimas da ameaça ou violência, bem como a necessidade e urgência da proteção.
O Papel do Advogado na Solicitação da Medida Protetiva
Embora seja possível registrar o B.O. sem um advogado, a presença de um advogado especialista em direito de família ou direito criminal é crucial para garantir a efetividade da solicitação de medida protetiva e para a defesa dos seus direitos. O advogado poderá:
- Orientar sobre a coleta de provas: Ajudar a identificar quais documentos e evidências são mais relevantes para comprovar as ameaças e a violência.
- Elaborar a Petição Inicial: Redigir o pedido de medida protetiva ao juiz, fundamentando-o legalmente e apresentando os fatos de forma clara e convincente.
- Acompanhar o processo: Monitorar o andamento do pedido no sistema judicial, garantindo que os prazos sejam cumpridos e que a solicitação não seja arquivada.
- Intervir em audiências: Representar o cliente em possíveis audiências, apresentando argumentos e provas.
- Buscar outras reparações: Além da medida protetiva, o advogado pode analisar a possibilidade de solicitar indenização por danos morais ou outros direitos, caso a violência tenha gerado prejuízos maiores.
Ter um profissional ao seu lado significa ter um guia experiente em um momento de vulnerabilidade, aumentando significativamente as chances de obter a proteção necessária.
E se a Medida Protetiva For Descumprida?
O descumprimento de medida protetiva é um crime previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha (que, embora faça parte da lei específica da mulher, aplica-se a qualquer descumprimento de medida protetiva concedida por ordem judicial). Se a ex-companheira desrespeitar a ordem judicial e continuar as ameaças ou a perseguição, o homem deve imediatamente:
- Registrar Novo Boletim de Ocorrência: Informar à polícia o descumprimento, apresentando todas as provas possíveis (mensagens, ligações, testemunhas).
- Comunicar ao Advogado: O advogado informará o juiz sobre o descumprimento, solicitando as providências cabíveis, que podem incluir a prisão preventiva da agressora.
A efetividade da medida protetiva depende também da vigilância da vítima e da pronta comunicação às autoridades em caso de descumprimento.
A Quebra de Paradigmas e a Busca por Justiça
A situação de um homem ameaçado por ex-companheira evidencia a necessidade de uma visão mais ampla e inclusiva sobre a violência doméstica. A justiça deve ser acessível a todos, independentemente do gênero, e o direito à segurança e à integridade é universal.
Se você está passando por essa difícil situação, lembre-se: você não está sozinho e há caminhos legais para sua proteção. Não se cale. Busque apoio, denuncie e confie nos instrumentos legais disponíveis para reestabelecer sua paz e segurança. Sua integridade importa.