A era digital trouxe consigo um hábito quase universal: compartilhar momentos da vida nas redes sociais. Para pais e mães, isso frequentemente inclui o registro do crescimento e das conquarentenas dos filhos. Contudo, quando o casal se separa, o que era uma prática comum pode se transformar em um delicado e complexo ponto de atrito. Surge, então, a dúvida que aflige muitos: eu posso proibir que o outro genitor publique fotos dos nossos filhos?
Essa questão vai muito além de uma simples disputa de egos. Ela envolve direitos fundamentais, como o poder familiar, o direito de imagem da criança e, acima de tudo, o princípio do melhor interesse do menor. Não há uma resposta única de “sim” ou “não” que se aplique a todos os casos, pois a solução reside no equilíbrio entre os direitos e deveres de ambos os pais.
Neste guia completo, vamos aprofundar na perspectiva jurídica sobre o tema, explicando o que a lei diz, quais são os limites para a exposição dos filhos online e quais medidas podem ser tomadas quando o diálogo não é suficiente para resolver o impasse, sempre com o objetivo de proteger a privacidade e a segurança das crianças e adolescentes.
Poder Familiar: Um Exercício Conjunto, Mesmo Após a Separação
Primeiramente, é crucial entender o conceito de poder familiar. Segundo o Código Civil, este é o conjunto de direitos e deveres que ambos os pais possuem em relação aos filhos menores, englobando aspectos como criação, educação, guarda e administração de seus bens. É fundamental destacar que o divórcio ou a dissolução da união estável não extingue o poder familiar.
Isso significa que, em regra, tanto o pai quanto a mãe têm o direito de tomar decisões sobre a vida da criança, e a presunção é de que ambos agem visando o seu bem-estar. Nesse sentido, postar uma foto de um momento feliz com o filho, como um passeio no parque ou uma festa de aniversário, é, a princípio, um ato legítimo e derivado do exercício regular desse poder.
O problema surge quando o exercício desse direito por um dos genitores começa a colidir com a discordância do outro ou, mais gravemente, com a proteção do próprio filho.
O Direito de Imagem da Criança e os Riscos da Exposição Excessiva (Sharenting)
A criança e o adolescente, embora sejam incapazes para certos atos da vida civil, são titulares de direitos da personalidade, entre eles o direito à imagem, à honra e à privacidade, protegidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A decisão de expor a imagem de um filho na internet deve ser, portanto, uma decisão cuidadosa. O fenômeno conhecido como sharenting (uma junção das palavras “share”, de compartilhar, e “parenting”, de parentalidade) descreve a prática de compartilhar excessivamente informações e imagens dos filhos online. Essa superexposição pode acarretar riscos graves, tais como:
- Segurança Física: Fotos com uniformes escolares, geolocalização ou detalhes da rotina podem expor a criança a pessoas mal-intencionadas.
- Bullying e Cyberbullying: Imagens em situações constrangedoras ou vexatórias podem se tornar alvo de piadas e perseguição no futuro.
- Pedofilia e Roubo de Identidade: Fotos de crianças, especialmente em trajes de banho ou em situações de intimidade, podem ser utilizadas por criminosos.
- Consequências Psicológicas Futuras: A criança pode, ao crescer, não se sentir confortável com a “pegada digital” criada para ela sem o seu consentimento.
É justamente na análise desses riscos que a proibição de postagens pode encontrar respaldo jurídico.
Quando a Proibição se Torna uma Medida Necessária e Legal?
A discordância de um dos genitores, por si só, pode não ser suficiente para impedir a publicação de fotos. No entanto, a situação muda completamente de figura quando a exposição coloca a criança em risco ou viola sua dignidade.
A proibição judicial para a postagem de fotos pode ser concedida quando se comprova que o outro genitor está:
- Expondo a criança a situações vexatórias, constrangedoras ou que ridicularizem o menor.
- Publicando imagens que revelem dados sensíveis, como a localização exata da escola, do curso ou da residência.
- Utilizando a imagem do filho como forma de atingir ou provocar o ex-parceiro(a), prática que pode caracterizar alienação parental.
- Expondo a criança de forma excessiva e contínua, contra a vontade expressa do outro genitor e sem um propósito claro que atenda aos interesses do menor.
Nesses casos, o genitor que se opõe à publicação não está apenas exercendo um capricho, mas sim agindo para proteger a integridade e a segurança do filho, o que é um dever inerente ao poder familiar.
O Passo a Passo Para Resolver o Conflito
Se você está desconfortável com as postagens feitas pelo outro genitor, a via judicial deve ser o último recurso. O caminho mais saudável e eficiente geralmente segue estas etapas:
- Diálogo Aberto e Honesto: A primeira e mais importante medida é a conversa. Exponha suas preocupações de forma clara e calma, focando sempre na proteção e no bem-estar da criança, e não em críticas pessoais. Tente estabelecer regras e limites em conjunto, como, por exemplo, não usar geolocalização, não postar fotos com uniforme escolar ou aprovar as imagens antes da publicação.
- Notificação Extrajudicial: Se o diálogo falhar, o próximo passo pode ser formalizar o seu descontentamento. Uma notificação extrajudicial, enviada por um advogado, demonstra a seriedade da sua preocupação e informa o outro genitor sobre as possíveis consequências legais caso a conduta persista. Muitas vezes, essa medida é suficiente para resolver a questão.
- Ação Judicial: Esgotadas as tentativas amigáveis, a única saída é a via judicial. Você precisará do auxílio de um advogado especialista em Direito de Família, que poderá ajuizar uma ação solicitando ao juiz que determine a proibição ou a limitação das postagens. Será necessário apresentar provas da exposição indevida ou dos riscos que ela acarreta. O juiz analisará o caso concreto, sempre pautado pelo princípio do melhor interesse da criança, podendo determinar a remoção de conteúdos já publicados e proibir futuras postagens sob pena de multa.
Conclusão: Bom Senso e Proteção em Primeiro Lugar
A questão da publicação de fotos de filhos nas redes sociais por pais separados é um reflexo dos desafios que a tecnologia impõe às relações familiares. Não existe uma fórmula mágica, mas sim a necessidade de uma ponderação constante, guiada pelo bom senso e pelo diálogo.
O exercício do poder familiar deve ser sempre uma via de cooperação, visando blindar os filhos dos riscos do mundo digital. A celebração de momentos felizes é legítima, mas a segurança e a privacidade das crianças devem ser a prioridade absoluta.
Se você se encontra em uma situação de impasse e sente que o bem-estar do seu filho está em risco, não hesite em procurar orientação. Um advogado especializado poderá analisar as particularidades do seu caso, mediar o conflito e, se necessário, tomar as medidas judiciais cabíveis para garantir que o direito do seu filho à uma imagem protegida e a uma infância segura seja plenamente respeitado.