O fim de um casamento ou união estável traz consigo uma série de turbulências emocionais e financeiras. No entanto, uma das dúvidas mais urgentes e geradoras de conflito é a questão habitacional: afinal, quem tem o direito de permanecer no imóvel enquanto o processo de divórcio ou partilha de bens não é concluído?
Se você está passando por esse momento delicado em São Paulo ou região, é provável que esteja enfrentando o medo de ter que sair de casa ou, pelo contrário, a angústia de coabitar com o ex-cônjuge em um ambiente insustentável.
Este artigo tem o objetivo de esclarecer, de forma prática e fundamentada na legislação atual, como os tribunais decidem sobre a posse do imóvel familiar e quais medidas você deve tomar para proteger seu patrimônio e sua tranquilidade.
A Regra Geral: O Bom Senso e o Acordo
Antes de falarmos sobre decisões judiciais, é importante destacar que a lei brasileira prioriza a autonomia da vontade das partes. Ou seja, se o casal conseguir dialogar — ainda que minimamente — e definir quem sai e quem fica, esse acordo será respeitado.
Contudo, sabemos que na prática isso nem sempre é possível. Quando o litígio se instala, a decisão deixa de ser do casal e passa a ser do juiz da Vara de Família. E, ao contrário do que o “senso comum” diz, a propriedade do imóvel (quem pagou ou em nome de quem está a escritura) não é o único fator determinante para definir quem permanece na residência provisoriamente.
Critérios utilizados pela Justiça para definir quem fica no imóvel
Quando não há acordo, o juiz analisará a situação concreta para decidir quem terá a posse exclusiva do bem até a venda ou partilha final. Os principais critérios observados são:
1. O Interesse e a Proteção dos Filhos Menores
Este é, sem dúvida, o critério mais forte. O princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente rege o Direito de Família.
Se o casal possui filhos menores de idade, a tendência majoritária dos tribunais, inclusive aqui em São Paulo, é garantir que o genitor que ficará com a guarda de fato (aquele que cuida no dia a dia) permaneça no imóvel. O objetivo é evitar que as crianças, que já sofrem com o impacto da separação, tenham que mudar bruscamente de rotina, escola e vizinhança.
2. A Situação de Vulnerabilidade
Não havendo filhos, ou em casos onde a guarda é compartilhada de forma equilibrada, o juiz pode analisar qual dos cônjuges possui menor capacidade financeira para arcar com uma nova moradia imediata ou quem se encontra em situação de maior fragilidade de saúde.
3. Casos de Violência Doméstica
Este é um ponto de extrema atenção. Se houver qualquer indício de violência doméstica (física, psicológica, patrimonial ou moral), a aplicação da Lei Maria da Penha permite o afastamento imediato do agressor do lar.
Neste cenário, a vítima permanece no imóvel, independentemente de quem é o dono da casa, para garantir sua integridade física e emocional. O afastamento do lar é uma medida protetiva de urgência que pode ser concedida em questão de horas.
O “Mito” do Abandono de Lar: Posso sair de casa?
Muitas pessoas suportam convivências tóxicas por medo de sair de casa e perder o direito sobre o imóvel devido ao chamado “abandono de lar”. É fundamental desmistificar este ponto.
Sair de casa porque a convivência se tornou insuportável não retira o seu direito à partilha do bem. O imóvel adquirido onerosamente durante o casamento (na comunhão parcial de bens) pertence 50% a cada um, e sua saída física não altera a titularidade da propriedade.
Atenção ao prazo: O Código Civil prevê a figura da Usucapião Familiar, que pode levar à perda da propriedade, mas isso exige requisitos muito específicos, como o abandono do lar por dois anos ininterruptos e sem prestar qualquer assistência à família. Portanto, sair para preservar a saúde mental e imediatamente buscar um advogado para regularizar o divórcio não configura abandono para fins de perda de patrimônio.
Uso Exclusivo do Imóvel e o Pagamento de Aluguel
Se o divórcio ainda não terminou e um dos cônjuges permanece usufruindo sozinho do imóvel que pertence ao casal, surge uma questão financeira importante: o arbitramento de aluguel.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) possui entendimento consolidado de que, se um ex-cônjuge ocupa o imóvel comum com exclusividade, ele deve pagar ao outro uma indenização correspondente à metade do valor de um aluguel de mercado.
Isso evita o enriquecimento sem causa. Funciona assim:
- O casal se separa.
- A esposa fica no apartamento; o marido sai e precisa pagar aluguel em outro lugar.
- O marido pode pedir judicialmente que a esposa pague a ele 50% do valor estimado de aluguel daquele apartamento.
Importante: Essa cobrança geralmente só é válida a partir do momento em que o cônjuge que saiu notifica o outro ou entra com a ação judicial. Por isso, a agilidade na consultoria jurídica é vital para não perder dinheiro.
Quem paga as contas da casa durante o processo?
Enquanto o divórcio não é finalizado e a partilha não é feita, a regra básica é: quem usufrui do imóvel arca com as despesas de manutenção (condomínio, luz, água, internet).
Porém, despesas extraordinárias ligadas à estrutura do imóvel ou impostos como o IPTU podem ser objeto de discussão e divisão, dependendo do regime de bens e do que for acordado ou decidido judicialmente.
A Importância de uma Atuação Estratégica
Cada família possui uma dinâmica única. O que funciona para um casal pode ser desastroso para outro. Em cidades com alto custo de vida imobiliário, como São Paulo, a decisão de quem fica no imóvel pode impactar o padrão de vida das partes por anos.
Um divórcio mal conduzido pode travar o patrimônio do casal, impedindo a venda do imóvel e gerando dívidas de condomínio e IPTU que corroem a herança familiar.
Portanto, a orientação é clara: não tome atitudes precipitadas, como trocar as fechaduras sem autorização judicial ou sair do imóvel sem documentar o motivo. Essas ações podem ser usadas contra você no processo.
Perguntas Frequentes (FAQ)
Abaixo, respondemos de forma direta às dúvidas mais comuns que recebemos em nosso escritório sobre a posse de bens durante o divórcio.
1. Meu marido/esposa pode me expulsar de casa?
Não. Ninguém pode ser expulso do lar conjugal à força sem uma ordem judicial, exceto em casos de flagrante violência. Se houver ameaça ou coação para que você saia, busque auxílio jurídico ou policial imediatamente.
2. Posso trocar a fechadura da porta para ele(a) não entrar?
Não é recomendável fazer isso sem autorização judicial, pois pode configurar exercício arbitrário das próprias razões (fazer justiça com as próprias mãos) e tumultuar o processo de divórcio, prejudicando sua imagem perante o juiz.
3. Se eu sair de casa, perco a guarda dos meus filhos?
Sair de casa não implica perda automática da guarda. No entanto, é ideal regularizar a situação da guarda e das visitas provisórias o quanto antes para evitar acusações de alienação parental ou abandono.
4. O imóvel é financiado. Quem paga as parcelas enquanto o divórcio não sai?
Geralmente, essa responsabilidade continua sendo de ambos (se o financiamento estiver no nome dos dois), para evitar o leilão do bem pelo banco. Contudo, esse valor pago pode ser compensado na hora da partilha final ou abatido do aluguel que quem ficou no imóvel deve pagar.
O caminho para um desfecho seguro
Definir quem permanece no imóvel enquanto o divórcio não termina é uma das etapas mais estressantes da ruptura conjugal. Envolve não apenas direito de propriedade, mas dignidade, segurança dos filhos e planejamento financeiro.
Como vimos, existem mecanismos legais para proteger quem está em situação vulnerável, bem como para indenizar quem foi privado do uso do seu patrimônio (através do aluguel).
No entanto, a lei é complexa e cheia de exceções. Cada caso demanda uma estratégia jurídica personalizada. O que foi decidido no divórcio do seu vizinho pode não se aplicar à sua realidade.
Se você está passando por essa situação e precisa de clareza sobre seus direitos, não hesite em buscar orientação profissional especializada. Uma análise preventiva pode evitar prejuízos financeiros enormes e garantir que o processo de separação ocorra com o mínimo de trauma possível.
Ficou com dúvidas sobre o seu caso específico? Nossa equipe atua em São Paulo e região com foco em Direito de Família e está à disposição para analisar sua situação com a discrição e a seriedade que o momento exige.
