A rotina de um entregador, seja ele de moto, bicicleta ou carro, é dinâmica e, infelizmente, muitas vezes perigosa. O trânsito intenso, a pressão por agilidade e as longas jornadas de trabalho expõem esses profissionais a um risco constante de acidentes. Quando um imprevisto acontece e o entregador sofre um acidente enquanto está a serviço, uma série de dúvidas e preocupações surgem, principalmente em relação aos seus direitos e à possibilidade de receber indenização.
Se você é entregador e sofreu um acidente durante uma entrega, saiba que você não está desamparado. Existem leis e mecanismos para garantir o seu amparo nesse momento difícil, que vão desde benefícios previdenciários até possíveis indenizações por parte da empresa ou plataforma para a qual você presta serviços, ou até mesmo de terceiros envolvidos no acidente.
Neste artigo, vamos explorar seus direitos em caso de acidente de trabalho enquanto fazia entregas, detalhando os tipos de benefícios e indenizações que você pode ter direito e a importância de buscar orientação jurídica especializada para garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados.
Entendendo o Vínculo: Empregado CLT vs. Autônomo
A primeira e crucial questão a ser analisada para determinar seus direitos após um acidente é a natureza do seu vínculo com a empresa ou plataforma de entrega. A legislação brasileira prevê direitos distintos para empregados celetistas (com carteira assinada) e trabalhadores autônomos, incluindo os Microempreendedores Individuais (MEIs).
Se você possui registro em carteira de trabalho (CLT) como entregador, a relação de emprego é clara. Nesse caso, o acidente sofrido durante o horário de trabalho ou no percurso entre sua casa e o trabalho (acidente de trajeto) é considerado um acidente de trabalho. A empresa tem responsabilidade direta em relação à sua segurança e saúde ocupacional.
Para os entregadores que atuam como autônomos, inclusive através de plataformas de aplicativo, a situação é mais complexa. Tradicionalmente, a Justiça do Trabalho tem reconhecido o vínculo empregatício em muitos casos, considerando a subordinação, não eventualidade, pessoalidade e onerosidade presentes na relação com as plataformas. Entretanto, essa ainda é uma discussão em evolução, e cada caso é analisado individualmente. Mesmo na ausência de reconhecimento formal de vínculo empregatício, o entregador autônomo que contribui para o INSS tem direitos previdenciários.
Benefícios do INSS para o Entregador Acidentado
Independentemente do tipo de vínculo, se você contribui para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), seja como empregado ou contribuinte individual (incluindo MEI), você pode ter direito a benefícios previdenciários em caso de acidente que cause incapacidade para o trabalho.
O principal benefício nesses casos é o Auxílio-Doença Acidentário (B91). Este benefício é concedido ao trabalhador que fica temporariamente incapacitado para o trabalho em decorrência de um acidente de trabalho ou equiparado. Para ter direito, é necessário comprovar a incapacidade através de perícia médica do INSS. Se o acidente for reconhecido como de trabalho, o benefício será o B91, que garante direitos adicionais em comparação ao auxílio-doença comum (B31).
Uma das vantagens do Auxílio-Doença Acidentário (B91) é que ele não exige período de carência prévia de contribuições para ser concedido, ao contrário do auxílio-doença comum. Além disso, o recebimento do B91 garante ao trabalhador empregado (CLT) a estabilidade provisória no emprego por 12 meses após a cessação do benefício e retorno ao trabalho. Para o entregador autônomo (MEI ou Contribuinte Individual) que contribui para o INSS, o direito ao Auxílio-Doença (B31 ou B91, se comprovado o nexo com o trabalho) também existe, desde que cumprida a carência, se aplicável.
Além do auxílio-doença, se o acidente resultar em sequelas permanentes que reduzam a sua capacidade para o trabalho, mesmo que parcial, você poderá ter direito ao Auxílio-Acidente. Este benefício é uma espécie de indenização paga mensalmente pelo INSS e pode ser acumulado com o salário, caso você consiga retornar ao trabalho com limitações. No entanto, é importante ressaltar que, pela regra geral, o Auxílio-Acidente é devido apenas aos empregados com carteira assinada, trabalhadores avulsos e segurados especiais, não abrangendo o contribuinte individual e o MEI, a menos que haja decisão judicial em sentido contrário em casos específicos.
Indenização por Acidente de Trabalho: Responsabilidade e Tipos de Danos
Além dos benefícios previdenciários do INSS, o entregador que sofre um acidente pode ter direito a receber indenizações por danos sofridos, dependendo das circunstâncias do ocorrido e da existência de responsabilidade.
A responsabilidade pela indenização pode recair sobre diferentes partes:
- A Empresa ou Plataforma: Se for reconhecido o vínculo empregatício (CLT), a empresa tem responsabilidade objetiva em acidentes de trabalho em atividades de risco, como é o caso das entregas. Mesmo para entregadores de aplicativo autônomos, a Justiça tem entendido que as plataformas podem ter responsabilidade civil pelos acidentes sofridos pelos entregadores, considerando a natureza da atividade e os riscos a ela inerentes. A existência de seguro contratado pela plataforma em favor do entregador também pode gerar direito à indenização.
- Terceiros Envolvidos no Acidente: Se o acidente foi causado por culpa de outro motorista, pedestre ou qualquer terceiro, este poderá ser responsabilizado civilmente pelos danos causados ao entregador.
As indenizações que podem ser pleiteadas em caso de acidente de trabalho envolvendo entregadores incluem:
- Danos Materiais: Referem-se aos prejuízos financeiros diretos decorrentes do acidente. Por exemplo, despesas médicas e hospitalares não cobertas pelo SUS ou plano de saúde, gastos com medicamentos, fisioterapia, reparo ou perda da moto ou bicicleta de trabalho, danos a equipamentos (celular, mochila), e os lucros cessantes, que é o valor que o entregador deixou de ganhar durante o período em que ficou incapacitado para o trabalho.
- Danos Morais: Compensa o sofrimento, a dor, a angústia, o abalo psicológico e a violação à dignidade do entregador em decorrência do acidente. O valor do dano moral é subjetivo e determinado pelo juiz, levando em conta a gravidade do acidente, as sequelas, a capacidade financeira das partes, entre outros fatores.
- Danos Estéticos: Se o acidente deixar sequelas visíveis e permanentes que alterem a aparência do entregador, como cicatrizes, deformidades ou amputações, ele poderá ter direito a uma indenização específica por dano estético, que pode ser cumulada com o dano moral.
Para buscar essas indenizações, é fundamental comprovar o nexo causal entre o acidente e o trabalho (no caso de responsabilidade da empresa/plataforma) ou a culpa do terceiro envolvido.
Documentação e Próximos Passos
Após sofrer um acidente enquanto fazia entregas, é fundamental tomar algumas providências para garantir a preservação dos seus direitos:
- Busque Atendimento Médico: Sua saúde é a prioridade. Procure atendimento médico imediatamente, mesmo que as lesões pareçam leves. Guarde todos os atestados, laudos e exames médicos.
- Registre um Boletim de Ocorrência (B.O.): É essencial registrar formalmente o acidente junto às autoridades policiais. No B.O., relate detalhadamente como o acidente ocorreu.
- Comunique o Acidente: Informe a empresa ou plataforma para a qual você presta serviços sobre o acidente o mais rápido possível. Se você for empregado CLT, a empresa é obrigada a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Se for autônomo de aplicativo, verifique se a plataforma possui um procedimento para comunicação de acidentes e acione o seguro, se houver.
- Reúna Evidências: Colete fotos do local do acidente, dos veículos envolvidos, das suas lesões e dos danos materiais. Se houver testemunhas, anote seus contatos. Guarde comprovantes de despesas médicas e de reparo.
- Agende a Perícia do INSS: Se o afastamento do trabalho for superior a 15 dias, solicite o benefício por incapacidade junto ao INSS e compareça à perícia médica com toda a sua documentação médica.
- Procure um Advogado Especialista: Este é um passo crucial. A complexidade dos direitos em casos de acidente de trabalho envolvendo entregadores, especialmente autônomos e de aplicativo, exige o conhecimento de um profissional especializado.
A Importância do Advogado Especialista
Um advogado especialista em acidente de trabalho e direito do trabalho/previdenciário será seu maior aliado nesse processo. Ele poderá:
- Analisar a sua situação específica, verificando se há vínculo empregatício ou se aplica a responsabilidade da plataforma.
- Orientar sobre os benefícios do INSS a que você tem direito e auxiliar no processo de solicitação e perícia.
- Avaliar a possibilidade de buscar indenização por danos materiais, morais e estéticos.
- Reunir a documentação necessária e ingressar com as ações judiciais cabíveis, seja contra a empresa/plataforma, seja contra terceiros envolvidos.
- Lutar para garantir que você receba uma indenização justa e que todos os seus direitos sejam respeitados.
Não presuma que, por ser autônomo, você não tem direitos. A Justiça tem evoluído para reconhecer a vulnerabilidade desses trabalhadores e garantir a sua proteção em caso de acidentes. Por exemplo, decisões recentes têm condenado plataformas de entrega a indenizar entregadores acidentados, mesmo na ausência de vínculo formal de emprego.
Não Deixe de Lutar Pelos Seus Direitos
Sofrer um acidente enquanto trabalha é uma situação traumática, com impactos físicos, emocionais e financeiros. É fundamental que você saiba que possui direitos e que pode buscar o amparo necessário para sua recuperação e para compensar os prejuízos sofridos.
Não se sinta intimidado pela burocracia ou pela incerteza sobre seus direitos. Reunir a documentação do acidente, buscar os benefícios previdenciários a que você tem direito e, principalmente, contar com a orientação e a atuação de um advogado especialista em acidente de trabalho são os passos mais importantes para garantir que sua dignidade e seus direitos sejam protegidos.
Se você sofreu um acidente enquanto fazia entregas, não hesite em procurar ajuda. Um profissional qualificado poderá analisar seu caso, esclarecer suas dúvidas e lutar para que você receba a indenização e os benefícios a que tem direito. Sua saúde e seu bem-estar são prioridades.