Acúmulo de função: posso pedir indenização ao ser demitido?

Acumulo de funções

É uma situação bastante comum no mercado de trabalho brasileiro: o empregado é contratado para desempenhar uma função específica, com um salário definido, mas com o tempo, as responsabilidades aumentam e ele começa a acumular tarefas que vão além do escopo original do seu cargo. Seja porque um colega foi demitido e suas atividades foram repassadas, porque a empresa “enxugou” o quadro de funcionários ou simplesmente por uma demanda crescente, o fato é que muitos trabalhadores se veem realizando funções de dois ou até mais cargos sem a devida contrapartida financeira.

Essa situação tem nome: acúmulo de função. E uma dúvida muito pertinente surge, principalmente em momentos de desligamento da empresa: “Se eu acumulava funções, tenho direito a pedir uma indenização ao ser demitido?”

A resposta direta é: sim, você pode pleitear valores referentes a esse acúmulo, e a demissão é, muitas vezes, o momento em que o trabalhador busca essa reparação na Justiça do Trabalho. Contudo, é crucial entender o que configura o acúmulo de função legalmente e como isso se reflete em seus direitos, especialmente após o fim do contrato de trabalho.

O Que Exatamente Significa Acúmulo de Função?

O acúmulo de função ocorre quando um empregado, além de suas tarefas habituais para as quais foi contratado, passa a exercer, de forma não eventual, atividades totalmente distintas ou de maior complexidade e responsabilidade do que aquelas originalmente pactuadas, sem receber um aumento salarial proporcional a essa sobrecarga ou alteração de cargo.

É diferente do desvio de função, que acontece quando o empregado deixa de exercer as funções para as quais foi contratado e passa a exercer, integralmente, funções de outro cargo, também sem a devida correção salarial. No acúmulo, as tarefas são adicionadas à função original; no desvio, a função original é substituída por outra. Ambos são irregulares e podem gerar direitos ao trabalhador.

O ponto chave para caracterizar o acúmulo é que as novas tarefas não sejam compatíveis com a função para a qual o empregado foi contratado, considerando sua qualificação e o contrato de trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 456, parágrafo único, presume que o empregado se obriga a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal. No entanto, a Justiça do Trabalho interpreta esse artigo de forma a proteger o trabalhador contra o excesso. A compatibilidade de que fala a lei se refere a tarefas que se encaixam dentro do mesmo cargo ou de cargos de similar complexidade e responsabilidade.

O Que Diz a Lei (e a Jurisprudência) Sobre o Acúmulo?

Não existe um artigo específico na CLT que determine um percentual fixo de adicional por acúmulo de função para todas as categorias. A maioria dos reconhecimentos e cálculos de valores devidos por acúmulo vem da jurisprudência (decisões reiteradas dos Tribunais do Trabalho) e de Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho que, às vezes, preveem regras para casos de acúmulo dentro de uma determinada categoria profissional.

Geralmente, a Justiça do Trabalho tem reconhecido o direito a um “plus salarial” (um adicional no salário) que varia conforme o caso, a complexidade das tarefas acumuladas e o setor da economia. Esse adicional costuma ficar entre 10% e 40% do salário base do empregado, mas esses percentuais não são fixos por lei, dependendo da análise de cada situação e do entendimento do juiz.

Quando o Acúmulo de Função se Configura na Prática?

Para saber se você se enquadra em uma situação de acúmulo de função que pode gerar direitos, observe se as tarefas adicionais se encaixam em alguma destas situações:

  • Tarefas de Maior Complexidade/Responsabilidade: Você, que é auxiliar administrativo, passa a fazer fechamento de caixa e gestão de pagamentos, atividades típicas de um assistente financeiro com maior responsabilidade. Por exemplo, um vendedor que, além de vender, assume a responsabilidade total pela gestão de estoque e compras de produtos, atividades que exigem uma complexidade e responsabilidade diferentes.
  • Tarefas Alheias e Não Compatíveis: Você é motorista e, além de dirigir, passa a ser responsável pela manutenção preventiva básica de toda a frota da empresa, sem qualificação ou previsão contratual para isso. Por exemplo, um recepcionista que é obrigado a realizar serviços de segurança patrimonial ou de limpeza, atividades que não têm qualquer relação ou compatibilidade com sua função principal.
  • Exigência de Qualificação Diferente: As novas tarefas exigem conhecimentos técnicos ou habilidades que não eram requeridas para o seu cargo original e para as quais você não foi contratado ou treinado formalmente.
  • Aumento Significativo da Carga de Trabalho: Embora o simples aumento da quantidade de trabalho não configure acúmulo, se esse aumento vier acompanhado de tarefas de outra natureza ou complexidade, ele reforça a tese do acúmulo de função.

É importante destacar que o acúmulo deve ser habitual, não apenas uma ajuda pontual ou esporádica a um colega. Se você cobriu um colega de férias por uma semana, isso geralmente não configuraria acúmulo passível de ação. Mas se você assumiu as tarefas dele integralmente por meses sem alteração contratual ou salarial, a situação muda.

O Direito ao “Plus Salarial” Existe Durante o Contrato

É fundamental entender que o direito a receber pelo acúmulo de função existe desde o momento em que você começou a desempenhar as novas tarefas, e não apenas quando você é demitido. O empregado que acumula funções pode, durante o curso do contrato de trabalho, buscar na Justiça o reconhecimento do acúmulo e o pagamento do adicional salarial.

Contudo, na prática, muitos trabalhadores só buscam esse direito após a demissão. Isso ocorre, por exemplo, por receio de retaliação enquanto empregados ou porque a dimensão do acúmulo e seus reflexos nos direitos trabalhistas ficam mais claros no momento do desligamento.

Acúmulo de Função e a Demissão: Como Pedir Valores?

Ao ser demitido (sem justa causa, a pedido, ou mesmo por justa causa, embora neste último caso a chance de reverter a demissão seja analisada junto com o acúmulo), você pode ingressar com uma ação trabalhista pleiteando o reconhecimento do acúmulo de função e o pagamento do respectivo “plus salarial” por todo o período em que ele ocorreu (respeitada a prescrição trabalhista, que geralmente é de 5 anos para reclamar direitos dentro do contrato ativo e 2 anos após o fim do contrato para ingressar com a ação).

Se a Justiça reconhecer o acúmulo de função e determinar o pagamento de um adicional salarial (o “plus salarial”), esse valor retroativo deverá ser pago pelo empregador. Além disso, e é aqui que reside grande parte do interesse do trabalhador na demissão, o valor desse adicional passará a integrar a sua remuneração para todos os efeitos legais.

Em outras palavras, o valor do adicional por acúmulo de função impactará diretamente o cálculo das suas verbas rescisórias. Isso significa que valores como:

  • Aviso Prévio (indenizado ou trabalhado);
  • 13º Salário (proporcional e integrais devidos no período do acúmulo);
  • Férias vencidas e proporcionais + 1/3 constitucional;
  • FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) sobre o salário corrigido pelo adicional;
  • Multa de 40% sobre o saldo do FGTS (calculada sobre o valor total, já incluído o adicional);
  • Horas extras, adicionais (noturno, periculosidade, insalubridade), se houver, também serão calculados sobre o salário com o adicional por acúmulo.

Portanto, ao ser demitido, a ação pelo acúmulo de função não é apenas um pedido por uma “indenização extra” pela demissão em si, mas sim um pedido pelo pagamento correto do trabalho já realizado (o plus salarial retroativo) e a correção de todas as verbas rescisórias com base nesse salário efetivamente devido, que era maior do que o registrado na carteira.

Como Comprovar o Acúmulo de Função?

Comprovar o acúmulo de função é essencial para o sucesso da sua ação trabalhista. O ônus da prova, ou seja, o dever de provar que você acumulava funções, é seu. Por isso, é vital reunir o máximo de evidências possível:

  • Contrato de Trabalho e Descrição de Cargo: Compare o que está escrito com o que você realmente fazia.
  • E-mails, Mensagens, Ordens de Serviço: Documentos que mostrem você realizando tarefas de outras funções. Por exemplo, e-mails onde seu chefe lhe direciona para realizar atividades que claramente não são do seu cargo original.
  • Testemunhas: Colegas de trabalho que presenciaram você realizando as funções acumuladas são provas muito fortes.
  • Gravações: Em alguns casos, gravações de conversas podem servir como indício, mas seu uso na justiça requer cautela e deve ser orientado por um advogado.
  • Manuais Internos, Organogramas: Podem ajudar a demonstrar a estrutura da empresa e onde suas tarefas adicionais se encaixavam.

O Que Fazer Se Você Se Identifica Com Essa Situação?

Se você está vivenciando o acúmulo de função ou foi recentemente demitido e acredita que acumulava tarefas, o passo mais importante é buscar orientação jurídica especializada.

Um advogado trabalhista poderá analisar seu caso, verificar se o acúmulo de função está configurado de acordo com a lei e a jurisprudência, ajudar a reunir e organizar as provas, calcular os valores que podem ser devidos (tanto o “plus salarial” retroativo quanto o impacto nas verbas rescisórias) e ingressar com a ação trabalhista em busca dos seus direitos.

Não espere para buscar ajuda! O tempo pode ser um fator limitante devido aos prazos da prescrição trabalhista.

O acúmulo de função é uma realidade no mercado de trabalho que a Justiça do Trabalho reconhece e busca corrigir. Embora a CLT não tenha um capítulo específico sobre o tema com valores fixos, a jurisprudência garante ao trabalhador o direito a um adicional salarial (o “plus salarial”) pelas tarefas acumuladas que vão além do seu contrato original.

Ao ser demitido, você não perde o direito a pleitear esses valores. Pelo contrário, a ação trabalhista se torna o caminho para buscar o pagamento retroativo desse adicional e, consequentemente, a correção de todas as suas verbas rescisórias, que deverão ser calculadas com base no salário real que você deveria ter recebido, incluindo o adicional por acúmulo de função.

Se você trabalhou ou trabalha acumulando funções, entenda seus direitos. A demissão não significa o fim da possibilidade de buscar o que é seu por direito. Procure um advogado especialista em direito trabalhista para analisar seu caso e lutar pela justa reparação.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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