Inventário: o que fazer quando os herdeiros não entram em acordo?

Advogado especialista em sucessões mediando uma reunião de inventário com herdeiros em desacordo sobre a partilha de bens da herança.

O falecimento de um ente querido inaugura um período de luto que, por si só, é complexo e doloroso. Contudo, paralelamente à esfera emocional, inicia-se um processo burocrático e legal indispensável: o inventário. Este procedimento é o meio legal para apurar os bens, os direitos e as dívidas do falecido, a fim de formalizar a transmissão da herança aos seus sucessores.

Idealmente, esse processo transcorreria de forma pacífica. A realidade, entretanto, frequentemente se impõe de maneira diversa. A mistura de dor, finanças e relações familiares complexas cria um terreno fértil para desentendimentos. O que acontece, então, quando o diálogo falha e os herdeiros não entram em acordo?

Quando o consenso sobre a avaliação dos bens, a forma de partilha ou quem deve administrar o espólio (conjunto de bens) se torna impossível, o processo pode ficar paralisado, gerando custos adicionais, depreciação do patrimônio e um desgaste emocional que pode romper laços familiares permanentemente.

Muitos acreditam que, sem a concordância de todos, nada pode ser feito. Isso é um equívoco. O ordenamento jurídico brasileiro prevê mecanismos específicos para solucionar o impasse. Este artigo técnico explorará, de forma didática, o que é o inventário litigioso e como ele funciona, demonstrando o caminho legal para quando o acordo não é uma opção.

A Diferença Crucial: Inventário Extrajudicial vs. Judicial

Antes de adentrarmos no conflito, é vital entender as duas modalidades de inventário.

1. Inventário Extrajudicial (em Cartório): Esta é, sem dúvida, a via mais célere, econômica e desejável. Realizado diretamente em um Tabelionato de Notas, por meio de escritura pública, ele pressupõe, contudo, requisitos estritos:

  • Consenso absoluto entre todos os herdeiros sobre todos os pontos (partilha, valores, etc.).
  • Inexistência de herdeiros menores de idade ou incapazes.
  • Inexistência de testamento (com exceções recentes, dependendo da validação judicial prévia).
  • Acompanhamento por, no mínimo, um advogado (que pode ser o mesmo para todos).

Basta que um único herdeiro discorde de um único detalhe para que esta via seja imediatamente descartada.

2. Inventário Judicial: Quando qualquer um dos requisitos acima não é atendido (especialmente a falta de consenso), o processo deve, obrigatoriamente, tramitar perante o Poder Judiciário.

É importante frisar: um inventário judicial não é, por si só, litigioso. Ele pode ser judicial consensual (quando há filhos menores, mas os pais concordam em tudo) ou judicial litigioso (quando há conflito).

O Que Fazer se um Herdeiro se Recusar a Abrir o Inventário?

Um dos primeiros impasses ocorre quando um herdeiro, muitas vezes o que está na posse dos bens ou na administração informal do patrimônio, recusa-se a iniciar o processo, seja por comodidade ou má-fé.

A lei protege os demais interessados. O Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 615, estabelece um prazo de 2 meses após o falecimento para a abertura do inventário.

Se o responsável legal (como o cônjuge ou o herdeiro na posse dos bens) não o fizer, o artigo 616 legitima outras pessoas a solicitarem a abertura. Isso inclui:

  • Qualquer herdeiro.
  • O credor de um dos herdeiros ou do falecido.
  • O Ministério Público (se houver incapazes).
  • A Fazenda Pública (interessada nos impostos).

Portanto, se um dos herdeiros se mantiver inerte, basta que um único herdeiro interessado contrate um advogado e protocole a petição de “Abertura de Inventário”. O juiz, então, determinará a citação de todos os demais para que se manifestem no processo.

O Inventário Litigioso: A Solução Legal para o Desacordo

Quando o desacordo entre herdeiros é instalado, o processo se torna um inventário litigioso. Nele, as partes não decidem; elas apresentam seus argumentos e provas, e o juiz decide com base na lei.

O litígio (a briga) pode surgir em diversas fases e por múltiplos motivos. Vejamos os principais pontos de conflito e como o judiciário os resolve.

1. A Disputa pelo Cargo de Inventariante

O inventariante é a pessoa nomeada pelo juiz para administrar o espólio durante o processo. Ele é responsável por listar os bens, pagar as dívidas, representar o espólio em juízo e, ao final, propor a partilha.

O artigo 617 do CPC estabelece uma ordem de preferência para quem deve ser nomeado (primeiro o cônjuge, depois o herdeiro na posse, etc.). Se houver disputa sobre quem deve assumir essa função, os herdeiros apresentam suas razões (impugnações), e o juiz decidirá quem está em melhores condições de exercer o encargo, podendo, inclusive, nomear um “inventariante judicial”, que é um profissional neutro e pago para isso (embora onere o espólio).

2. Discordância sobre os Bens (Primeiras Declarações)

O inventariante apresenta as “primeiras declarações”, que é a lista inicial de todos os bens, direitos e dívidas. Aqui surge o conflito:

  • Bens Ocultos (Sonegação): Um herdeiro pode acusar o outro de esconder bens (valores em conta, joias, gado, etc.). Se comprovada a má-fé, o herdeiro que ocultou o bem pode perder o direito que teria sobre ele, no que é conhecido como “pena de sonegados”.
  • Discordância de Valores: Um herdeiro acha que a casa vale R$ 500 mil, outro acha que vale R$ 800 mil. A solução judicial é a nomeação de um perito avaliador judicial, um profissional imparcial que determinará o valor de mercado do bem, e seu laudo será a base para a partilha e o cálculo de impostos.

3. Herdeiro Ocupando Imóvel Exclusivamente

É muito comum que um dos herdeiros já resida em um imóvel do falecido e se recuse a sair ou a permitir a venda.

No inventário litigioso, os demais herdeiros podem exigir que esse herdeiro pague um aluguel proporcional às suas quotas-partes. Por exemplo, se são 3 irmãos e um mora no imóvel, os outros dois podem exigir o pagamento de 2/3 do valor de mercado do aluguel, que será pago ao espólio ou diretamente a eles, conforme decisão judicial.

4. A Partilha dos Bens

Este é o ápice do conflito. Em um cenário ideal, os herdeiros compõem a partilha de forma amigável (ex: “Eu fico com a casa na praia, você fica com o apartamento na cidade e compensamos a diferença”).

No litígio, o juiz é quem determina a partilha. A lei buscará sempre a maior igualdade e comodidade possível. Se os herdeiros não concordarem sobre quem fica com qual bem, e se os bens não forem facilmente divisíveis (como um único apartamento para três herdeiros), a solução judicial é clara: o bem será vendido em leilão judicial e o valor apurado será dividido em dinheiro entre os herdeiros, na proporção de seus direitos.

Os Custos do Conflito: Por que Evitar o Litígio?

O inventário litigioso é uma ferramenta legal necessária, mas ela traz consigo consequências severas que vão além do desgaste familiar.

  • Custo Financeiro: Um processo litigioso é exponencialmente mais caro. Os honorários advocatícios são mais elevados devido à complexidade e ao tempo. Surgem custos com perícias de avaliação, taxas judiciais recorrentes e, eventualmente, honorários do inventariante judicial.
  • Tempo de Duração: Um inventário extrajudicial pode ser concluído em poucas semanas. Um inventário judicial consensual, em alguns meses. Um inventário litigioso pode se arrastar por anos, às vezes décadas, dependendo do nível de conflito e dos recursos processuais.
  • Depreciação do Patrimônio: Enquanto os herdeiros brigam, os bens se deterioram. Imóveis fechados geram IPTU, condomínio e custos de manutenção; veículos perdem valor; dinheiro em conta é corroído pela inflação se não for devidamente aplicado (o que exige autorização judicial).

🏛️ A Importância da Assessoria Jurídica Estratégica

Quando os herdeiros não entram em acordo, o inventário não fica “bloqueado” para sempre. A lei oferece o caminho do inventário judicial litigioso como mecanismo para forçar a resolução e garantir que o direito de cada um seja respeitado, mesmo contra a vontade de outro herdeiro.

Contudo, a intervenção do juiz significa a perda de controle das partes sobre o próprio patrimônio. A venda de um bem por leilão judicial quase sempre resulta em um valor inferior ao de mercado, prejudicando a todos.

A presença de um advogado especialista é crucial, e não apenas para “lutar” no processo. Um profissional experiente atua primeiramente como um negociador estratégico, buscando exaustivamente um acordo que seja minimamente vantajoso para seu cliente, mesmo que esse acordo ocorra dentro do processo judicial. A melhor solução litigiosa é, muitas vezes, pior que o acordo razoável.

Se você está enfrentando um impasse na divisão de uma herança ou prevê dificuldades no diálogo com os demais herdeiros, não espere o conflito paralisar seu direito. Nosso escritório possui vasta experiência em sucessões complexas e contenciosas. Convidamos você a entrar em contato para esclarecer suas dúvidas, receber uma orientação personalizada sobre o seu caso e traçar a estratégia mais segura para proteger seu patrimônio.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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