Guarda compartilhada funciona quando os pais não se falam?

Representação de pais em lados opostos com uma criança ao centro, simbolizando os desafios da guarda compartilhada.

O fim de um relacionamento é um processo complexo, muitas vezes marcado por mágoas e dificuldades de comunicação. Quando o casal possui filhos, a tensão costuma se concentrar em uma dúvida central: como exercer a guarda compartilhada se não conseguimos sequer manter um diálogo básico?

Muitos pais e mães acreditam que a harmonia entre os ex-cônjuges é um pré-requisito indispensável para a modalidade compartilhada. No entanto, o entendimento do Judiciário brasileiro, especialmente nas decisões proferidas em fóruns de São Paulo e região, tem seguido um caminho diferente, priorizando o interesse da criança em detrimento das desavenças dos adultos.

Neste artigo, vamos desmistificar o funcionamento da guarda compartilhada em cenários de conflito, explicando o que a lei determina e como é possível viabilizar essa estrutura mesmo quando a comunicação é mínima ou inexistente.


O que é, de fato, a guarda compartilhada?

Antes de avançarmos, é fundamental esclarecer um conceito que gera muita confusão. Guarda compartilhada não é o mesmo que guarda alternada.

Na guarda compartilhada, o que se divide é a responsabilidade e o poder de decisão sobre a vida do filho. Questões como a escolha da escola, tratamentos médicos, viagens internacionais ou atividades extracurriculares devem ser decididas em conjunto. A criança mantém uma residência principal (base de moradia), e o outro genitor possui um regime de convivência regulamentado.

Portanto, compartilhar a guarda significa que ambos os pais preservam o exercício do poder familiar de forma plena, participando ativamente das escolhas estruturais da vida do menor.

A regra da guarda compartilhada no Brasil

Desde a Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada deixou de ser uma opção para se tornar a regra no ordenamento jurídico brasileiro. Isso significa que, mesmo que não haja acordo entre o pai e a mãe, o juiz deve aplicá-la, salvo em duas situações específicas:

  1. Quando um dos genitores declara expressamente que não deseja a guarda.
  2. Quando um dos genitores não apresenta condições de exercer o poder familiar (casos de maus-tratos, abandono ou riscos comprovados à segurança da criança).

O conflito impede o compartilhamento?

A resposta curta, baseada na jurisprudência atual, é não. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou o entendimento de que a beligerância (conflito) entre os pais não é motivo suficiente para o estabelecimento da guarda unilateral.

A lógica da justiça é que a guarda compartilhada pode, inclusive, servir como um mecanismo para mitigar o conflito. Ao forçar a cooperação em decisões importantes, a lei tenta evitar que um dos pais seja excluído da vida do filho, o que frequentemente previne atos de alienação parental.

Como funciona na prática quando os pais não se falam?

Se a lei impõe o compartilhamento, mas o diálogo é impossível, como as decisões são tomadas? Em casos assim, o Judiciário e os advogados que atuam na área de família buscam soluções que profissionalizam a relação parental.

Imagine a seguinte analogia: sócios de uma empresa que não possuem afinidade pessoal, mas precisam gerir um patrimônio comum. Eles não precisam ser amigos, mas devem seguir regras objetivas para o sucesso do negócio — neste caso, o bem-estar do filho.

Estratégias para viabilizar a convivência:

  • Comunicação por canais oficiais: Quando a conversa por telefone ou pessoalmente gera brigas, utiliza-se o e-mail ou aplicativos específicos de gestão parental. Esses registros servem como prova em caso de descumprimento de deveres.
  • Plano de Parentalidade detalhado: Um bom profissional jurídico ajudará a redigir um acordo ou pedido judicial extremamente minucioso. Quanto mais regras claras existirem sobre horários, locais de entrega e divisão de despesas, menor é a necessidade de negociação direta entre os pais.
  • Intermediação de terceiros: Em casos de alta tensão, a entrega e busca da criança pode ser feita em locais neutros ou com a presença de um familiar de confiança, evitando o contato direto entre os genitores.

Os riscos da guarda unilateral por “falta de diálogo”

Tentar forçar uma guarda unilateral (onde apenas um decide tudo) alegando apenas que “não nos damos bem” pode ser um risco estratégico em um processo judicial. O juiz pode interpretar essa resistência como uma tentativa de dificultar o convívio do filho com o outro genitor.

Em São Paulo, os tribunais são rigorosos na análise do melhor interesse do menor. Se ficar demonstrado que um dos pais está usando o conflito para isolar a criança, as consequências podem incluir desde advertências até a inversão da guarda em casos extremos de alienação.

Quando a guarda compartilhada realmente não funciona?

Existem situações em que o compartilhamento é, de fato, inviável. Nestes casos, o foco do advogado será demonstrar que a convivência ou a tomada de decisão conjunta representa um perigo real para a criança ou para o ambiente familiar. Exemplos incluem:

  • Histórico comprovado de violência doméstica.
  • Uso abusivo de substâncias que afete o discernimento do genitor.
  • Incapacidade civil ou doenças mentais graves não tratadas que coloquem o menor em risco.

Fora dessas exceções graves, o Judiciário entende que o dever de serem pais sobrepõe-se à incapacidade de serem amigos.


Mini-FAQ: Dúvidas sobre Guarda e Conflito

1. Se eu tiver a guarda compartilhada, ainda preciso pagar pensão? Sim. A guarda compartilhada não exclui o dever de pagar pensão alimentícia. O cálculo da pensão baseia-se no binômio necessidade de quem recebe e possibilidade de quem paga, independentemente do tempo que a criança passa com cada um.

2. O pai (ou mãe) pode decidir viajar com o filho sem me avisar na guarda compartilhada? Não. Decisões importantes e viagens (especialmente internacionais) devem ser comunicadas e, em muitos casos, autorizadas formalmente pelo outro genitor ou pelo juiz.

3. O juiz pode mudar a guarda se as brigas continuarem? Sim. O regime de guarda não é imutável. Se o conflito começar a prejudicar o desenvolvimento psicológico da criança, o Ministério Público ou qualquer uma das partes pode solicitar a revisão do regime.

4. Na guarda compartilhada, a criança tem que morar metade do tempo em cada casa? Não necessariamente. A guarda compartilhada define a divisão de responsabilidades. O tempo de convivência (visitas) é ajustado conforme a rotina da criança e a disponibilidade dos pais, podendo ou não ser uma divisão de tempo igualitária.


Conclusão: O caminho para a solução

A guarda compartilhada não exige que os pais sejam amigos ou que mantenham uma relação cordial de convivência social. Ela exige, acima de tudo, maturidade institucional para que o interesse do filho seja colocado acima das mágoas do divórcio.

Sabemos que, na prática, lidar com um ex-parceiro difícil é um desafio diário que gera desgaste emocional. Por isso, cada caso deve ser analisado individualmente, considerando as provas disponíveis e o perfil das partes envolvidas. Um advogado que atua com foco em Direito de Família poderá orientar sobre como construir um plano de parentalidade que proteja você e seu filho de conflitos desnecessários.

Se você está enfrentando dificuldades na regulamentação da guarda ou se a comunicação com o outro genitor tornou-se insustentável, o suporte jurídico adequado é o primeiro passo para garantir a tranquilidade da sua família.

Deseja entender como aplicar essas regras ao seu caso específico? Nossa equipe está pronta para realizar uma análise detalhada da sua situação e orientar sobre os melhores caminhos jurídicos. Entre em contato para uma consulta personalizada.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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