No Brasil, a imagem da família evoluiu. Hoje, inúmeros casais constroem uma vida a dois, compartilham sonhos, adquirem patrimônio e criam filhos sem nunca terem assinado um papel em um cartório. Essa realidade, no entanto, gera uma dúvida crucial no momento de um término: “Se não somos casados, como fica a separação? Tenho algum direito?”
Muitos utilizam o termo “divórcio” para se referir a essa ruptura, mas a ausência de uma certidão de casamento não significa a ausência de direitos e deveres. Pelo contrário, a legislação brasileira reconhece e protege essa forma de entidade familiar através do instituto da União Estável.
Se você está vivendo o delicado momento de uma separação e não formalizou sua relação, este artigo é o guia definitivo para que você entenda seus direitos e saiba como agir para garantir uma partilha justa e segura.
“Divórcio” sem Casamento? Entendendo o Conceito de União Estável
Primeiramente, é fundamental esclarecer: o termo técnico para o fim de uma união estável não é “divórcio”, mas sim “dissolução de união estável”. O divórcio é o meio legal exclusivo para encerrar um casamento civil.
A união estável é reconhecida pela Constituição Federal como uma entidade familiar, e para sua configuração, a lei não exige um tempo mínimo de convivência, nem que o casal more sob o mesmo teto, embora isso seja um forte indício. Os requisitos essenciais que a caracterizam são:
- Convivência Pública: A relação é conhecida no seu círculo social (amigos, família) como um relacionamento de natureza familiar.
- Contínua e Duradoura: O relacionamento é estável, sem interrupções constantes.
- Objetivo de Constituir Família: Há um projeto de vida em comum, com mútua assistência, lealdade e planos para o futuro, semelhante ao de um casamento.
Se a sua relação preenche esses requisitos, parabéns, você vivia em uma união estável, e isso gera consequências jurídicas importantíssimas, especialmente no que diz respeito ao patrimônio.
Como a Lei Vê os Bens Adquiridos Durante a União? A Partilha
Esta é, sem dúvida, a maior preocupação de quem se separa. A regra geral, para a grande maioria dos casos de união estável não formalizada, é que o regime de bens aplicado é o da comunhão parcial de bens.
Mas o que isso significa na prática?
Significa que todos os bens adquiridos de forma onerosa (através do trabalho, com o dinheiro do casal) durante o período da união deverão ser partilhados na proporção de 50% para cada um, não importando em nome de quem o bem está registrado.
Isso inclui:
- Imóveis (casa, apartamento, terreno);
- Veículos (carros, motos);
- Investimentos e saldos em contas bancárias;
- Empresas abertas durante a convivência.
Atenção: Bens recebidos por um dos companheiros por herança ou doação, assim como aqueles que cada um já possuía antes do início da união, geralmente não entram na partilha. Consequentemente, é crucial definir com precisão a data de início e término do relacionamento.
E os Filhos? Guarda, Visitas e Pensão Alimentícia
Quando o casal tem filhos, os direitos e deveres são exatamente os mesmos de um casal que foi casado no papel. A prioridade máxima da lei é sempre o bem-estar da criança ou do adolescente. Os principais pontos a serem definidos são:
- Guarda: A regra atual no Brasil é a guarda compartilhada, na qual pai e mãe são igualmente responsáveis pelas decisões importantes na vida do filho, embora a criança tenha uma residência de referência.
- Convivência (Visitas): Deve ser estabelecido um regime de convivência claro e equilibrado, que garanta a presença e a participação ativa de ambos os genitores na vida do filho.
- Pensão Alimentícia: O genitor que não mora com a criança deve pagar uma pensão para auxiliar nas despesas dela. O valor é calculado com base no famoso binômio necessidade x possibilidade: a necessidade de quem recebe e a possibilidade financeira de quem paga.
Tenho Direito a Receber Pensão?
Além da pensão para os filhos, existe a possibilidade de fixação de pensão alimentícia para o ex-companheiro(a). No entanto, essa não é uma regra automática. Ela é concedida em caráter excepcional, geralmente quando fica comprovada a dependência econômica de uma das partes em relação à outra.
O juiz analisará fatores como a idade, a capacidade para o trabalho, a saúde e por quanto tempo a pessoa ficou fora do mercado para se dedicar à família e ao lar. Na maioria das vezes, essa pensão é temporária, servindo como um auxílio para que a pessoa possa se reorganizar financeiramente.
O Processo na Prática: Como Formalizar a Dissolução?
Para que todos esses direitos sejam efetivados, é preciso formalizar o término através de um processo de Reconhecimento e Dissolução de União Estável. Existem dois caminhos para isso:
- Via Extrajudicial (em Cartório): É a forma mais rápida, simples e barata. Contudo, só é possível se houver consenso total entre o casal sobre todos os termos (partilha, pensão, etc.) e se não houver filhos menores de idade ou incapazes.
- Via Judicial: É o caminho necessário quando há litígio (desacordo sobre qualquer ponto) ou quando o casal tem filhos menores. O processo tramitará na Vara de Família, e um juiz tomará as decisões.
Em ambos os casos, a presença de um advogado é obrigatória por lei. Para comprovar a existência da união, é importante reunir provas como: fotos do casal em eventos sociais, contas conjuntas, comprovantes de mesmo endereço, testemunhas, declaração de imposto de renda em que um consta como dependente do outro, entre outros.
Proteja Seu Futuro
Viver junto, construir uma vida e formar uma família é um projeto que gera direitos e deveres, independentemente da existência de um documento de casamento. A união estável é uma realidade protegida pela lei, garantindo que, no difícil momento da separação, o esforço e a dedicação de ambos sejam reconhecidos.
A ausência de formalidade durante a relação não pode se transformar em desamparo no seu término. Buscar orientação jurídica especializada não é um sinal de conflito, mas sim um ato de responsabilidade e cuidado com o seu patrimônio e seu futuro. Um advogado de família será seu principal aliado para assegurar que a dissolução ocorra de forma justa, equilibrada e com o menor desgaste emocional possível.