O trabalho na rua impõe uma série de desafios diários. Seja sob o sol escaldante ou a chuva incessante, profissionais como carteiros, entregadores, motoristas, vendedores ambulantes, coletores de resíduos e agentes de trânsito estão constantemente expostos a condições que podem minar sua saúde. Mas, e quando essa exposição resulta em uma doença? A grande questão que paira na mente de muitos é: uma doença desenvolvida por quem trabalha na rua pode ser considerada uma doença ocupacional?
A resposta é um sonoro sim, é absolutamente possível. Contudo, o caminho para esse reconhecimento possui particularidades que exigem atenção e, frequentemente, a orientação de um advogado especialista.
Neste artigo, vamos desvendar os meandros desse tema. Afinal, entender os seus direitos é o primeiro e mais crucial passo para garanti-los.
O Que Caracteriza uma Doença Ocupacional?
Antes de mais nada, é fundamental clarear o que a legislação brasileira entende por doença ocupacional. De forma simplificada, ela se divide em duas categorias principais:
- Doença Profissional: É aquela diretamente ligada à atividade específica exercida pelo trabalhador. Pense, por exemplo, em um digitador que desenvolve Lesão por Esforço Repetitivo (LER). A relação é direta e presumida pela lei em muitos casos.
- Doença do Trabalho: Esta é adquirida ou desencadeada em função das condições especiais em que o trabalho é realizado. E é aqui que a maioria dos casos de trabalhadores de rua se enquadra. Não é a atividade em si, mas o ambiente e as condições a que o profissional está submetido que causam a enfermidade.
Para ambas, a lei exige um elemento central para o seu reconhecimento: o nexo causal.
O Desafio do Nexo Causal para o Trabalhador Externo
O “nexo causal” nada mais é do que a comprovação da ligação entre a doença e a atividade laboral. É o elo que demonstra que o trabalho foi a causa ou, no mínimo, um fator que contribuiu significativamente para o surgimento ou agravamento da condição de saúde.
Para um trabalhador que atua dentro de um escritório ou de uma fábrica, essa comprovação pode ser mais direta. Entretanto, para quem trabalha na rua, o desafio é maior. Como provar que a sua dor na coluna não é um problema degenerativo comum, mas sim resultado de horas a fio em uma moto sem a ergonomia adequada? Ou que a sua doença de pele foi causada pela exposição solar contínua durante o expediente?
É justamente essa a barreira que precisamos superar. Por isso, a documentação e a coleta de provas se tornam ainda mais vitais. Laudos médicos detalhados, exames que demonstrem a evolução da doença, atestados que especifiquem a Classificação Internacional de Doenças (CID) e, crucialmente, relatórios que descrevam as condições de trabalho são peças-chave.
Além disso, testemunhas, como colegas de trabalho que enfrentam as mesmas condições, podem ser fundamentais para corroborar a rotina exaustiva e os riscos aos quais o trabalhador estava exposto.
Quais Doenças Podem Afetar Quem Trabalha na Rua?
A gama de enfermidades é vasta, mas algumas são mais recorrentes para esses profissionais. Por exemplo:
- Lesões Ortopédicas: Problemas na coluna, ombros, joelhos e quadris são comuns em motociclistas, carteiros e coletores, devido à postura inadequada, vibração e levantamento de peso.
- Doenças de Pele: A exposição prolongada ao sol sem a devida proteção (que é uma obrigação do empregador fornecer) pode causar desde queimaduras e envelhecimento precoce até o desenvolvimento de câncer de pele.
- Problemas Respiratórios: A inalação constante de poluição nos grandes centros urbanos pode agravar ou desencadear doenças como asma, bronquite e outras afecções pulmonares.
- Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR): Agentes de trânsito, motoristas e trabalhadores de coleta estão frequentemente expostos a níveis de ruído muito acima do tolerável, o que pode levar a danos auditivos permanentes.
- Doenças relacionadas ao Clima: Desidratação, insolação e problemas renais podem ser uma consequência direta do calor excessivo, assim como doenças potencializadas pelo frio e pela chuva.
- Transtornos Psicológicos: O estresse do trânsito, o risco de assaltos e a pressão por metas podem ser gatilhos para o desenvolvimento de ansiedade, depressão e a Síndrome de Burnout.
Em suma, qualquer doença que possa ser comprovadamente ligada às condições do trabalho na rua pode, sim, ser classificada como ocupacional.
Direitos do Trabalhador ao Ter a Doença Ocupacional Reconhecida
Uma vez estabelecido o nexo causal e reconhecida a doença ocupacional, o trabalhador passa a ter uma série de direitos garantidos por lei, que vão muito além do simples afastamento. Vamos aos principais:
- Emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho): Este é o documento que formaliza a situação perante a Previdência Social. A empresa é obrigada a emiti-lo, mas, em caso de recusa, o próprio trabalhador, seu médico, o sindicato ou o CEREST podem fazê-lo.
- Auxílio-Doença Acidentário (Espécie B91): Caso precise se afastar por mais de 15 dias, o trabalhador receberá o benefício do INSS. Diferentemente do auxílio-doença comum, a versão acidentária garante o recolhimento do FGTS durante todo o período de afastamento.
- Estabilidade Provisória: Este é um direito crucial. Após a alta do INSS e o retorno ao trabalho, o empregado tem garantida a estabilidade no emprego por, no mínimo, 12 meses. Ou seja, ele não pode ser demitido sem justa causa nesse período.
- Auxílio-Acidente: Se a doença resultar em sequelas permanentes que reduzam a capacidade para o trabalho, o trabalhador pode ter direito a receber um benefício mensal e vitalício do INSS, que funciona como uma indenização, mesmo que ele retorne à atividade profissional.
- Indenizações na Justiça: Caso seja comprovada a culpa ou o dolo da empresa (por exemplo, por não fornecer equipamentos de proteção, não oferecer treinamento ou exigir metas abusivas), o trabalhador pode buscar na Justiça do Trabalho o direito a indenizações por danos morais, danos materiais (reembolso de despesas com remédios e tratamentos) e, em alguns casos, uma pensão mensal vitalícia paga pelo empregador.
O Papel do Advogado Especialista
Como vimos, o caminho para o reconhecimento de uma doença ocupacional para quem trabalha na rua é repleto de detalhes técnicos e jurídicos. A recusa da empresa em emitir a CAT, a negativa do INSS em conceder o benefício ou a dificuldade em provar o nexo causal são obstáculos comuns.
Portanto, contar com a assessoria de um advogado especializado em direito do trabalho e previdenciário não é um luxo, mas uma necessidade. É esse profissional que saberá como reunir as provas corretas, orientar sobre os laudos médicos, contestar decisões negativas e, se necessário, ingressar com uma ação judicial para garantir que todos os seus direitos sejam plenamente respeitados.
Se você trabalha na rua e acredita que sua saúde foi afetada pelas condições de trabalho, não hesite. Busque informação, documente tudo e lute pelos seus direitos. Sua saúde e seu futuro podem depender disso.