Uma dúvida comum e que gera bastante apreensão entre as mulheres concurseiras, especialmente aquelas que almejam ingressar nas carreiras policiais, diz respeito à possibilidade de ser desligada do curso de formação por estar grávida. Afinal, o curso de formação policial é conhecido por sua intensidade e rigor físico, o que levanta questionamentos legítimos sobre a compatibilidade da gestação com as atividades exigidas.
É fundamental abordar este tema com clareza e embasamento legal, pois a proteção à maternidade é um direito fundamental em nosso país, e a administração pública não pode, em regra, penalizar a candidata ou servidora em razão de uma condição natural e constitucionalmente protegida.
O Direito Constitucional à Proteção à Maternidade e ao Planejamento Familiar
Nossa Constituição Federal, em seu artigo 6º, elege a proteção à maternidade como um direito social. Além disso, o artigo 7º, em seu inciso XVIII, garante licença à gestante de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário. Para as servidoras públicas, este direito é reforçado por legislações específicas, como a Lei nº 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis federais, e as respectivas leis estaduais e municipais.
Mais do que isso, a Constituição Federal, em seu artigo 226, § 7º, trata do planejamento familiar como livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito. Desligar uma candidata de um curso de formação unicamente por estar grávida seria uma violação direta a esses preceitos constitucionais, configurando uma forma de discriminação em razão do gênero e da condição materna.
A Gravidez no Contexto dos Concursos Públicos e Cursos de Formação
Historicamente, a situação da candidata grávida em concursos públicos, especialmente na etapa de teste de aptidão física (TAF) e no curso de formação, gerou muitas discussões e decisões judiciais divergentes. Contudo, a jurisprudência, em especial a do Supremo Tribunal Federal (STF), evoluiu significativamente para garantir a proteção à gestante.
Um marco importante foi a decisão do STF que firmou o entendimento de que é constitucional a remarcação do teste de aptidão física para candidata grávida, independentemente de previsão expressa no edital do concurso. A lógica por trás dessa decisão é simples: a gravidez é uma condição temporária que não pode impedir a candidata de concorrer em igualdade de condições com os demais, sob pena de violar o princípio da isonomia. A remarcação do TAF busca, portanto, assegurar que a candidata possa realizar a prova em um momento em que esteja apta fisicamente.
No que tange ao curso de formação, a situação é similar. Embora o curso possua caráter eliminatório e classificatório e exija dedicação integral e preparo físico, a gravidez não pode ser motivo para o desligamento automático da candidata. Diversas decisões judiciais têm garantido o direito de a candidata grávida ou lactante participar do curso de formação em turma posterior, após o período de licença-maternidade e recuperação do parto.
O Que Dizem as Leis e a Jurisprudência Específica para Carreiras Policiais?
Para as carreiras policiais, a questão da gravidez durante o curso de formação tem sido objeto de regulamentação em algumas leis estaduais e normativas internas das próprias instituições. Por exemplo, a Lei Complementar nº 194/2012 do estado de Roraima, alterada pela Lei Complementar nº 322/2022, prevê expressamente que, havendo a hipótese de gravidez durante o curso de formação, aperfeiçoamento ou habilitação, a militar será afastada do curso, garantindo seu reingresso no próximo curso ofertado pela instituição, assim que cessado seu impedimento.
Mesmo na ausência de previsão expressa no edital ou na legislação local, o entendimento que prevalece nos tribunais superiores é no sentido de proteger a gestante. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF já se manifestaram diversas vezes, reconhecendo o direito da candidata grávida à participação no curso de formação em momento oportuno, sem que isso acarrete seu desligamento do certame.
A dispensa da candidata gestante do curso de formação configuraria um ato ilegal e discriminatório, passível de questionamento judicial. A administração pública deve encontrar formas de acomodar a situação, permitindo que a candidata, após o período de gestação e puerpério, possa realizar o curso de formação e comprovar sua aptidão para o cargo.
Procedimentos e Direitos da Candidata Grávida no Curso de Formação
Ao descobrir a gravidez durante o curso de formação, é crucial que a candidata informe imediatamente a situação à administração responsável pelo curso, apresentando a devida comprovação médica. É recomendável fazer essa comunicação por escrito, guardando um comprovante.
A partir daí, a administração deverá avaliar a situação e propor uma solução que, em conformidade com a legislação e a jurisprudência, garanta o direito da candidata de concluir o curso em data futura. Por exemplo, a candidata poderá ser afastada temporariamente e matriculada na turma seguinte do curso de formação, após o término da licença-maternidade.
É importante ressaltar que o afastamento temporário para que a candidata cuide de sua saúde e da gestação/bebê não pode ser interpretado como desistência ou inaptidão. Pelo contrário, é a garantia de que ela poderá, posteriormente, em plenas condições, cumprir todas as exigências do curso.
Em alguns casos, pode haver resistência por parte da administração do curso. Nesses momentos, buscar orientação jurídica especializada é fundamental. Um advogado com experiência em direito administrativo e concursos públicos poderá analisar o caso concreto, a legislação aplicável e a jurisprudência para ingressar com as medidas judiciais cabíveis, como um mandado de segurança, a fim de garantir o direito da candidata.
Casos Reais e a Importância da Luta pelos Direitos
A história nos mostra diversos casos de mulheres que precisaram buscar na justiça o direito de continuar no concurso ou no curso de formação após a descoberta da gravidez. Muitas obtiveram êxito, reforçando o entendimento de que a maternidade não pode ser um obstáculo para o ingresso em carreiras públicas, incluindo as policiais.
Um exemplo notório são as decisões que garantiram a policiais militares grávidas o direito de postergar a realização de etapas de cursos de ascensão na carreira, como cursos de formação de sargentos ou oficiais. Essas decisões reforçam a ideia de que a proteção à maternidade se estende não apenas ao ingresso na carreira, mas também ao seu desenvolvimento.
A Gravidez Não Significa o Fim do Sonho de Ser Policial
Em suma, a resposta para a pergunta “Gravidez durante o curso de formação da polícia: posso ser desligada?” é não, a princípio, você não pode ser desligada unicamente por estar grávida. A legislação brasileira e o entendimento dos tribunais superiores garantem à candidata gestante o direito de não ser prejudicada em razão de sua condição.
É certo que o curso de formação exige dedicação e preparo, mas a solução para a candidata grávida não é o desligamento, e sim o remanejo para uma turma posterior, garantindo que ela possa participar do curso em um momento adequado, após a gestação e o período de resguardo.
Se você se encontra nessa situação, não desanime. Conheça seus direitos, busque o diálogo com a instituição responsável pelo curso e, se necessário, procure assistência jurídica especializada para garantir que seus direitos sejam respeitados. A maternidade é um valor social e familiar que merece proteção, e o sonho de servir à sociedade como policial não deve ser interrompido por ela.
Lembre-se: a informação é sua maior aliada. Manter-se informada sobre seus direitos e buscar o apoio adequado fará toda a diferença na garantia do seu futuro na carreira policial.