O falecimento de um ente querido inaugura um período complexo, misturando o luto com a necessidade de resolver questões burocráticas e patrimoniais. O inventário é o procedimento legal obrigatório para formalizar a transferência dos bens do falecido (o de cujus) aos seus herdeiros. Idealmente, esse processo seria conduzido com harmonia e celeridade.
Contudo, não é raro que o processo sucessório se transforme em um campo de batalha. Conflitos familiares, discordâncias sobre o valor dos bens ou simplesmente a má vontade de uma das partes podem gerar um impasse temido: o que acontece se um herdeiro se recusar a assinar o inventário?
Muitos acreditam que a recusa de um único herdeiro tem o poder de paralisar todo o processo, deixando os demais reféns de sua vontade e os bens bloqueados indefinidamente. Isso é um mito.
Como especialistas em Direito Sucessório e planejamento patrimonial, esclarecemos: o inventário não para. A recusa não confere ao herdeiro dissidente um “poder de veto”. Ela apenas altera o caminho pelo qual a partilha será feita, tornando o processo mais complexo, demorado e custoso.
Neste artigo, vamos dissecar as consequências práticas e jurídicas dessa recusa, explicando por que o processo continua e como a lei resolve o conflito.
O Ponto de Partida: Inventário Judicial vs. Extrajudicial
Antes de tudo, é crucial entender que existem duas modalidades principais de inventário no Brasil, e a recusa de um herdeiro impacta diretamente qual delas será utilizada.
- Inventário Extrajudicial (em Cartório): Introduzido pela Lei 11.441/2007, é a forma mais rápida, simples e econômica. Realizado diretamente no Tabelionato de Notas, por escritura pública, ele exige, no entanto, requisitos estritos:
- Consenso absoluto entre todos os herdeiros sobre a divisão dos bens.
- Todos os herdeiros devem ser maiores e capazes.
- Inexistência de testamento (com algumas exceções recentes, dependendo do entendimento do tribunal local).
- Inventário Judicial (no Fórum): É a via tradicional, processada perante um juiz. É obrigatório quando há herdeiros menores ou incapazes, quando há testamento, ou, o ponto central deste artigo, quando não há consenso entre as partes.
A Primeira Consequência: O Fim Imediato da Via Amigável
Aqui está a consequência mais direta: se um herdeiro se recusa a assinar, seja por discordar da divisão, do valor de um bem, ou por qualquer outro motivo, o inventário extrajudicial está automaticamente descartado.
A recusa em assinar a escritura pública no cartório quebra o requisito fundamental do consenso. A partir desse momento, os demais herdeiros não têm outra alternativa senão migrar para o ambiente judicial. O herdeiro dissidente não impede o inventário; ele apenas força que o processo seja litigioso.
O Início do Inventário Judicial: A Abertura Não Depende de Todos
Muitos herdeiros receiam que, sem a concordância de um, o processo sequer possa ser iniciado. Isso é falso. O Código de Processo Civil (Art. 615 e 616) estabelece quem pode requerer a abertura do inventário.
Qualquer herdeiro, o cônjuge ou companheiro sobrevivente, ou até mesmo um credor do falecido, pode solicitar a abertura do inventário judicial individualmente, independentemente da anuência dos demais.
O requerente solicitará ao juiz a nomeação de um inventariante, que é a pessoa responsável por administrar o espólio (o conjunto de bens) durante o processo. Geralmente, segue-se uma ordem de preferência (cônjuge, herdeiro na posse dos bens, etc.), mas o importante é que o processo terá início.
O Trâmite Judicial: Como a “Assinatura” é Suprida
Uma vez aberto o inventário judicial, o juiz determinará a citação de todos os herdeiros e legatários. É neste momento que o herdeiro dissidente é chamado oficialmente ao processo.
Ele não pode simplesmente “não assinar” ou ignorar o chamado. Ele será legalmente intimado a se manifestar por meio de um advogado.
Se a recusa persistir, ela deverá ser formalizada dentro do processo, através de uma impugnação. As discordâncias mais comuns são:
- Discordância sobre os Bens (Primeiras Declarações): O herdeiro pode alegar que o inventariante omitiu um bem (sonegação) ou listou algo indevidamente.
- Discordância sobre a Avaliação: O herdeiro pode achar que um imóvel, por exemplo, vale mais ou menos do que o declarado.
- Discordância sobre a Partilha: O herdeiro discorda do plano de divisão apresentado.
Em todos esses cenários, a solução não é a paralisação. O juiz tomará as rédeas da situação:
- Se houver disputa sobre o valor de um bem, o juiz nomeará um perito avaliador judicial para estabelecer o valor técnico.
- Se houver disputa sobre a inclusão ou exclusão de bens, caberá ao juiz decidir com base nas provas apresentadas.
- Se a disputa for sobre o plano de partilha, o juiz aplicará as regras do Código Civil (respeitando a meação do cônjuge, se houver, e a legítima dos herdeiros necessários).
Ao final do processo, o juiz profere uma sentença de partilha. Esta decisão judicial substitui a assinatura do herdeiro que se recusou a concordar. O documento final expedido pelo juiz (o Formal de Partilha) terá força legal para transferir os bens no Cartório de Registro de Imóveis e demais órgãos, com ou sem a assinatura do dissidente.
As Reais Consequências da Recusa: Quem Perde?
O herdeiro que obstrui o inventário raramente ganha algo com isso. Na prática, ele não impede a divisão; ele apenas prejudica a si mesmo e a todos os outros envolvidos.
As consequências de transformar um inventário consensual em litigioso são severas:
- Aumento Exponencial dos Custos: O inventário judicial envolve custas processuais (taxas pagas ao tribunal), honorários de peritos (avaliadores, contadores) e, crucialmente, honorários advocatícios significativamente mais altos, pois o trabalho do advogado em um litígio é muito maior.
- Aumento Drástico do Tempo: Um inventário extrajudicial pode ser concluído em poucos meses. Um inventário judicial litigioso, por outro lado, pode se arrastar por vários anos, dependendo da complexidade das disputas e do volume do tribunal.
- Multa sobre o Imposto (ITCMD): O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação deve ser pago dentro de um prazo legal (geralmente 60 a 180 dias, a depender do estado). O atraso gerado pelo litígio resultará em multas e juros sobre o imposto devido, corroendo o patrimônio.
- Desgaste Emocional: O processo litigioso intensifica conflitos familiares, muitas vezes rompendo laços permanentemente.
- Depreciação dos Bens: Enquanto o processo se arrasta, os bens ficam “congelados”. Imóveis não podem ser vendidos, deterioram-se e geram custos (IPTU, condomínio). Veículos perdem valor. O dinheiro em contas bancárias não pode ser investido adequadamente.
Em suma, a recusa em assinar não dá ao herdeiro mais direitos ou controle; ela apenas transfere o poder de decisão da família para o juiz, tornando o resultado mais caro e demorado para todos.
E se o Herdeiro Simplesmente “Sumer”?
Caso o herdeiro não se recuse ativamente, mas esteja em local incerto ou simplesmente ignore as intimações, o processo também não para. Após tentativas formais de localização, o juiz determinará a citação por edital. Se, ainda assim, ele não aparecer, será nomeado um curador especial (geralmente um Defensor Público) para representar os interesses desse herdeiro ausente no processo, garantindo que a partilha siga até o fim.
Não Se Torne Refém do Impasse
A recusa de um herdeiro em assinar o inventário é uma das situações mais frustrantes do Direito Sucessório. No entanto, como vimos, a legislação brasileira é robusta e impede que uma única pessoa paralise o direito dos demais. O processo irá continuar, invariavelmente pela via judicial.
A crença de que a falta de uma assinatura bloqueia a herança é um equívoco que custa caro. A melhor solução é sempre buscar o consenso, talvez através de uma mediação, para utilizar a via extrajudicial.
Contudo, quando o diálogo se esgota, a ação judicial não é uma opção, mas sim a única solução legal para garantir que o patrimônio seja dividido e a vida possa seguir adiante. A omissão ou a espera pela boa vontade do herdeiro dissidente apenas agrava as perdas financeiras e o desgaste emocional.
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