Reformar a casa ou o apartamento é o sonho de muitos brasileiros. A ideia de derrubar uma parede para ampliar a sala, construir um segundo andar ou modernizar a fachada traz a promessa de valorização do imóvel e conforto para a família. No entanto, no meio da poeira e dos materiais de construção, existe um detalhe crucial frequentemente ignorado e que pode transformar o sonho em um pesadelo financeiro e jurídico: a validade do seu seguro residencial durante alterações estruturais.
Muitos proprietários acreditam, erroneamente, que a apólice de seguro residencial padrão “cobre tudo”, inclusive os danos decorrentes de uma obra. Contudo, a realidade contratual é bem diferente. Quando uma marreta atinge uma viga ou quando um encanamento é alterado, o perfil de risco do imóvel muda drasticamente.
Se a seguradora negar a cobertura após um desabamento parcial ou uma infiltração grave causada pela reforma, você saberia como defender seu patrimônio?
Neste artigo, dissecaremos a complexa relação entre contratos de seguro e obras residenciais. Você entenderá o que é considerado alteração estrutural, o conceito jurídico de agravamento de risco e, principalmente, como agir caso a seguradora se recuse a pagar a indenização devida.
🏗️ A Natureza do Contrato de Seguro e o Risco Calculado
Para compreender por que as seguradoras impõem tantas restrições, precisamos analisar a base jurídica do contrato. O seguro é um contrato de boa-fé, baseado na mutualidade e no cálculo atuarial de riscos.
Quando você contrata um seguro residencial, a seguradora avalia o imóvel nas condições em que ele se encontra naquele momento. Ela calcula a probabilidade de um incêndio, de um roubo ou de um vendaval acontecer em uma casa pronta e habitada.
Entretanto, quando você inicia uma alteração estrutural, você introduz novas variáveis que não estavam previstas no cálculo original:
- Movimentação de terra;
- Retirada de sustentação;
- Presença de operários terceirizados;
- Materiais inflamáveis expostos.
Juridicamente, isso é chamado de Agravamento de Risco. O Código Civil Brasileiro (Art. 768) é claro: se o segurado agravar intencionalmente o risco objeto do contrato, ele perde o direito à garantia. Embora uma reforma não seja feita com a “intenção” de causar dano, a falha em comunicar a obra à seguradora pode ser interpretada como uma violação do contrato, legitimando a negativa de cobertura.
🚧 O Que São Alterações Estruturais aos Olhos da Seguradora?
Nem toda intervenção no imóvel é uma alteração estrutural. É vital distinguir o que é manutenção ou estética do que é mudança na estrutura, pois isso define a cobertura.
Alterações Estéticas e Pequenos Reparos
Geralmente, pinturas, troca de pisos (sem quebrar o contrapiso), substituição de armários embutidos ou troca de luminárias não alteram a estabilidade do imóvel. Nesses casos, a apólice padrão costuma permanecer válida para os riscos originais (como um incêndio iniciado na cozinha, sem relação com a pintura).
Alterações Estruturais (O Ponto Crítico)
Aqui reside o perigo. São consideradas alterações estruturais obras que modificam a planta original ou a estabilidade da edificação, tais como:
- Remoção de paredes: Mesmo que não sejam paredes mestras, a alteração muda a configuração do risco.
- Acréscimo de área construída: Construir um novo quarto, uma varanda ou um segundo pavimento.
- Alterações no telhado: Troca completa do madeiramento ou das telhas.
- Mudanças hidráulicas e elétricas profundas: Rasgar paredes para trocar toda a fiação ou tubulação.
Se um sinistro ocorrer em decorrência dessas obras (ex: a parede do vizinho racha porque você removeu uma viga, ou ocorre um curto-circuito devido à fiação exposta da reforma), a apólice residencial comum, na grande maioria das vezes, exclui a cobertura.
🚫 As Cláusulas de Exclusão: Onde a Indenização é Negada
Ao receber uma negativa da seguradora, muitos clientes se sentem injustiçados. Porém, ao analisar as Condições Gerais da apólice (aquele documento longo que poucos leem), encontramos as Cláusulas de Riscos Excluídos.
No contexto de obras e alterações estruturais, as exclusões mais comuns são:
- Danos causados por obras de construção, reforma ou ampliação: A maioria das apólices residenciais padrão possui uma cláusula específica que retira a responsabilidade da seguradora por danos que tenham nexo causal (ligação direta) com a obra.
- Erros de projeto ou execução: Se a parede caiu porque o engenheiro calculou errado ou o pedreiro usou cimento de má qualidade, a seguradora argumentará que isso é um “vício de construção”, e não um acidente súbito e imprevisto coberto pelo seguro.
- Falta de manutenção prévia: Se você está reformando porque o telhado estava podre e desabou durante a troca, a seguradora pode alegar que o dano ocorreu por desgaste natural e falta de cuidado do proprietário, o que não é coberto.
Por conseguinte, é fundamental entender que o seguro residencial protege o patrimônio contra eventos externos e súbitos, não contra os riscos inerentes à atividade de construção civil.
🛡️ Como Se Proteger: Endossos e o Seguro RC Obras
Se o seguro residencial comum não cobre a reforma, o proprietário deve ficar desprotegido? Absolutamente não. Existem mecanismos jurídicos e contratuais para garantir a segurança durante esse período.
A Obrigação de Comunicar o Corretor
Antes de assentar o primeiro tijolo, a atitude juridicamente correta é notificar seu corretor de seguros formalmente. Dependendo da seguradora, podem ocorrer duas situações:
- Endosso na Apólice: A seguradora aceita o risco aumentado, cobra um prêmio adicional (valor extra) e emite um documento (endosso) estendendo a cobertura para o período da obra.
- Seguro Específico de Responsabilidade Civil Obras (RC Obras): A seguradora pode informar que a apólice residencial será suspensa ou restrita, e orientar a contratação de um seguro específico para obras.
O Seguro RC Obras é o instrumento adequado para cobrir danos corporais e materiais causados a terceiros (vizinhos, passantes) e, dependendo da contratação, danos à própria obra e ao imóvel existente.
Atenção: Negligenciar essa contratação é uma economia que pode custar o valor do imóvel. Se a sua obra causar rachaduras no prédio vizinho, você, como proprietário, responderá civilmente com seus bens pessoais, independentemente de ter culpa direta ou não na execução do serviço.
⚖️ A Seguradora Negou a Cobertura: É Possível Reverter?
Aqui entramos na esfera do Direito do Consumidor e do Direito Securitário. Nem toda negativa da seguradora é legítima. Muitas vezes, as empresas utilizam cláusulas abusivas ou interpretações extensivas para negar pagamentos que seriam devidos.
Existem cenários onde a atuação de um advogado especializado é indispensável para reverter a negativa:
1. Falta de Clareza e Dever de Informação
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) exige que as cláusulas restritivas de direito (as exclusões) sejam redigidas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão. Se a apólice for ambígua, confusa ou se o corretor não alertou sobre a suspensão da cobertura durante obras, pode-se arguir falha no dever de informação.
2. Ausência de Nexo Causal
Imagine que você está reformando a cozinha (alteração estrutural), mas um raio cai na sala e queima seus eletrônicos. A seguradora nega alegando que o imóvel estava em obras. Isso é abusivo. Não há relação (nexo causal) entre a reforma na cozinha e o raio. A obra não “atraiu” o raio. Nesse caso, judicialmente, é perfeitamente possível obrigar a seguradora a pagar, pois o agravamento de risco não influenciou o sinistro específico.
3. Interpretação de “Alteração Estrutural”
Muitas vezes, a seguradora classifica uma simples troca de piso ou um reparo de infiltração como “obra estrutural” para negar a cobertura de um alagamento. Um laudo técnico pericial, acompanhado de uma defesa jurídica sólida, pode provar que a intervenção era apenas de manutenção ou conservação, revalidando a cobertura.
💡 A Prevenção Jurídica é o Melhor Alicerce
Realizar alterações estruturais em um imóvel envolve riscos físicos e jurídicos. O contrato de seguro residencial é um aliado poderoso, mas possui limites técnicos que precisam ser respeitados para que a proteção seja efetiva. A crença de que “o seguro paga tudo” é um mito perigoso que deixa muitas famílias desamparadas no momento em que mais precisam.
Se você planeja reformar, a orientação preventiva é: revise sua apólice, comunique a seguradora e documente tudo.
Porém, se o sinistro já ocorreu e você recebeu uma negativa de cobertura que considera injusta, não aceite a primeira resposta da seguradora como a palavra final. O contrato de adesão deve ser interpretado de maneira mais favorável ao consumidor, e abusos podem e devem ser contestados na Justiça.
Se você teve seu pedido de indenização negado, se está sendo cobrado por danos a vizinhos decorrentes de obras, ou se tem dúvidas sobre a extensão da sua apólice, a análise detalhada do caso concreto é urgente.
Se você está passando por essa situação, entre em contato pelo WhatsApp e fale diretamente com um advogado. O primeiro passo para resolver seu problema começa com uma orientação segura.
