Pensão alimentícia paga em bens: é possível?

Advogado de família em reunião com cliente, apontando para um documento de acordo sobre pensão alimentícia paga em bens e serviços (in natura).

Quando se fala em pensão alimentícia, a primeira imagem que vem à mente é o pagamento mensal de um valor em dinheiro, depositado em uma conta bancária. Essa é, de fato, a forma mais tradicional e comum. Contudo, a realidade do Direito de Família é muito mais dinâmica e permite soluções personalizadas que podem, em muitos casos, ser mais vantajosas tanto para quem paga quanto para quem recebe.

Uma dúvida cada vez mais frequente em nosso escritório é: é possível pagar a pensão alimentícia com bens ou serviços, como o aluguel do imóvel, a mensalidade da escola ou as despesas do plano de saúde? A resposta é sim, é possível.

Essa modalidade de pagamento é conhecida no mundo jurídico como pensão in natura, e compreender seu funcionamento é fundamental para encontrar a melhor solução para sua família. Neste artigo, vamos desmistificar essa prática, explicar suas vantagens, os cuidados necessários e como ela deve ser formalizada para ter validade legal.

Diferença Crucial: Pensão in Pecúnia vs. Pensão in Natura

Antes de mais nada, é essencial entender os dois conceitos principais que regem o pagamento dos alimentos.

  • Pensão in Pecúnia: É o modelo clássico. Consiste no pagamento de um valor em dinheiro, estipulado pelo juiz ou acordado entre as partes. Essa quantia é entregue diretamente ao guardião da criança ou adolescente, que fica responsável por administrar o valor para suprir todas as necessidades do alimentando (moradia, alimentação, saúde, educação, lazer, etc.).
  • Pensão in Natura: Aqui, em vez de entregar o dinheiro, o alimentante (quem paga a pensão) arca diretamente com o custo de determinadas despesas. Por exemplo, em vez de incluir o valor do plano de saúde no montante total da pensão, ele mesmo realiza o pagamento do boleto mensalmente.

Importante: a pensão in natura não é uma “troca” ou um “favor”. Ela é uma forma de cumprimento da obrigação alimentar com a mesma seriedade e compromisso do pagamento em dinheiro. Além disso, não se trata de uma substituição total, mas sim de uma composição, resultando no que chamamos de pensão mista.

Pensão Mista: A Solução Mais Comum e Equilibrada

Na grande maioria dos casos em que se opta pelo pagamento com bens ou serviços, a solução adotada é a pensão alimentícia mista. Isso significa que uma parte do valor é paga em dinheiro (in pecúnia) e a outra parte é cumprida através do pagamento direto de despesas (in natura).

Imagine a seguinte situação: foi definido que o valor total da pensão seria de R$ 2.000,00. Em um acordo, o pai se compromete a pagar diretamente a mensalidade escolar (R$ 800,00) e o plano de saúde (R$ 300,00). Nesse caso, ele pagará R$ 1.100,00 em despesas in natura e depositará os R$ 900,00 restantes em dinheiro para a mãe, que usará esse valor para as demais necessidades da criança.

Essa modalidade traz previsibilidade e segurança, garantindo que despesas essenciais e de alto valor, como educação e saúde, estarão sempre em dia, independentemente da gestão financeira do guardião.

Quais Despesas Podem Ser Incluídas na Pensão in Natura?

A lista é ampla e deve sempre se basear nas necessidades da criança ou adolescente. Inegavelmente, as despesas mais comuns incluídas nesta modalidade são:

  • Mensalidades escolares, de cursos de idiomas ou atividades extracurriculares (esportes, artes);
  • Plano de saúde e odontológico;
  • Aluguel e condomínio do imóvel onde a criança reside;
  • Sessões de terapia ou tratamentos médicos contínuos;
  • Prestações de um financiamento imobiliário (em alguns casos específicos);
  • Vestuário e calçados, definindo-se um teto de gastos e a forma de comprovação.

Todavia, é preciso bom senso. Despesas supérfluas ou presentes não devem ser confundidos com pensão. A obrigação alimentar visa garantir o sustento e o padrão de vida, não se tratando de uma “lista de compras”.

O Cuidado Mais Importante: A Necessidade de Homologação Judicial

Aqui está o ponto mais crítico e que gera os maiores problemas: nenhum acordo verbal sobre o pagamento da pensão em bens ou serviços tem validade jurídica.

Muitos pais, por conta própria e com a melhor das intenções, começam a pagar o aluguel ou a escola e abatem esse valor do montante em dinheiro que deveriam depositar. No entanto, se essa forma de pagamento não estiver expressamente detalhada e homologada em uma decisão judicial, a lei considera que esses pagamentos foram feitos por “mera liberalidade”, ou seja, como um presente.

Consequentemente, o genitor guardião pode executar judicialmente os valores que “deixaram de ser depositados” em dinheiro, e o pai que pagou as despesas in natura por conta própria pode ser obrigado a pagar tudo de novo, além de juros e correção.

Portanto, para que a pensão in natura ou mista seja válida, ela precisa:

  1. Ser fruto de um acordo claro entre os pais;
  2. Ser formalizada por um advogado;
  3. Ser apresentada a um juiz para homologação, passando a ter força de sentença.

Somente com a decisão judicial em mãos é que o alimentante terá a segurança jurídica de que está cumprindo sua obrigação corretamente.

Vantagens e Desvantagens da Pensão in Natura

Vantagens:

  • Segurança para o alimentante: Garante que o dinheiro está sendo aplicado em despesas essenciais para o filho.
  • Transparência: Reduz conflitos sobre a gestão financeira dos recursos da pensão.
  • Previsibilidade: Assegura que serviços vitais, como escola e plano de saúde, não serão interrompidos.

Desvantagens:

  • Menor autonomia para o guardião: Pode engessar a gestão do orçamento, dificultando o manejo de despesas imprevistas.
  • Risco de controle excessivo: Se não for bem acordado, pode se tornar uma ferramenta de controle do alimentante sobre a vida do ex-parceiro(a).

Em suma, a pensão alimentícia paga com bens ou serviços é uma ferramenta jurídica moderna e eficaz, mas que exige diálogo, bom senso e, acima de tudo, a formalização judicial por meio de um advogado especialista. É o caminho mais seguro para garantir o bem-estar dos filhos e a tranquilidade jurídica dos pais.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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