O falecimento de um ente querido traz, inevitavelmente, um período de luto e reestruturação familiar. No entanto, em meio à gestão emocional da perda, surgem questões burocráticas urgentes, especialmente quando há patrimônio envolvido. Uma das dúvidas mais recorrentes que chegam aos escritórios de advocacia diz respeito à liquidez dos bens: é possível vender um imóvel que ainda está em nome do falecido antes da conclusão do inventário?
Essa questão é comum, pois muitas famílias precisam de recursos financeiros imediatos para custear o próprio processo de inventário — que envolve taxas judiciais, honorários advocatícios e o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) — ou para saldar dívidas deixadas pelo de cujus.
A resposta curta é: sim, é possível. Contudo, essa transação não ocorre da mesma forma que uma compra e venda convencional. Ela exige mecanismos jurídicos específicos e o acompanhamento rigoroso de um advogado especialista para garantir a segurança jurídica do negócio e evitar a nulidade da venda. Neste artigo, detalharemos as vias legais para realizar essa operação com sucesso.
Entendendo a Situação do Patrimônio: O Espólio
Antes de explorarmos as soluções, é fundamental compreender o status jurídico do imóvel. Com o falecimento, abre-se a sucessão e cria-se a figura do espólio — o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pela pessoa falecida.
Até que a partilha seja homologada (no fim do inventário), o imóvel não pertence a um herdeiro específico, mas sim a todos, em um regime de condomínio indivisível. Portanto, nenhum herdeiro pode vender “a sua parte” ou o imóvel inteiro por conta própria, sem a anuência dos demais ou autorização legal. Tentar fazer isso por meio de “contratos de gaveta” é um risco altíssimo que pode congelar o patrimônio por anos.
Para alienar o bem de forma regular antes do fim do processo, existem dois caminhos principais: o Alvará Judicial e a Cessão de Direitos Hereditários.
Caminho 1: Venda por Alvará Judicial
Esta é a alternativa mais segura e comum quando o inventário já está em andamento, seja ele judicial ou extrajudicial (em cartório, dependendo da normativa estadual). O Alvará Judicial é uma autorização especial concedida pelo juiz permitindo a venda de um bem específico do espólio antes da partilha final.
Para que o juiz conceda essa autorização, alguns requisitos geralmente precisam ser preenchidos:
- Concordância dos Herdeiros: Todos os sucessores devem estar de acordo com a venda e com o valor ofertado pelo imóvel.
- Justificativa Plausível: É necessário demonstrar ao juízo a razão da venda antecipada. Os motivos mais aceitos incluem a necessidade de recursos para pagar o ITCMD, despesas de manutenção do próprio imóvel (condomínio e IPTU atrasados) ou dívidas urgentes do espólio.
- Pagamento de Impostos: O juiz costuma exigir a comprovação de que os tributos incidentes sobre a transação serão quitados.
- Depósito em Juízo: Frequentemente, o valor arrecadado com a venda não vai diretamente para o bolso dos herdeiros. O juiz determina que o montante seja depositado em uma conta judicial vinculada ao processo. O dinheiro só é liberado após a quitação de todos os impostos e dívidas, sendo dividido apenas no momento da partilha final.
Essa via oferece total segurança ao comprador, pois a escritura pública de compra e venda será lavrada mediante a apresentação do alvará, transferindo a propriedade de forma definitiva.
Caminho 2: Cessão de Direitos Hereditários
Outra estratégia jurídica eficaz é a Cessão de Direitos Hereditários. Diferentemente da compra e venda direta do imóvel, neste caso, os herdeiros “vendem” (cedem) o seu direito à sucessão sobre aquele bem específico ou sobre a totalidade da herança.
Para que esse instrumento tenha validade legal e eficácia, ele deve obedecer rigorosamente ao artigo 1.793 do Código Civil:
- Escritura Pública: A cessão deve ser feita obrigatoriamente por escritura pública em cartório de notas. Contratos particulares não têm validade para transferência de propriedade imobiliária neste contexto.
- Anuência de Todos: Assim como no alvará, se houver mais de um herdeiro, todos devem participar da cessão (ou renunciar ao direito de preferência), visto que a herança é indivisível até a partilha.
- Autorização Judicial (se houver incapazes): Se houver menores de idade ou incapazes entre os herdeiros, a cessão dependerá também de autorização do Ministério Público e do Juiz.
Atenção ao Comprador na Cessão
Nesta modalidade, o comprador não se torna proprietário do imóvel imediatamente. Ele se “sub-roga” no lugar dos herdeiros. Isso significa que o comprador assumirá a posição de titular no processo de inventário para, somente ao final, receber a propriedade do imóvel. É uma operação que exige uma Due Diligence (diligência prévia) minuciosa para verificar se as dívidas do falecido não superam o valor do bem, o que frustraria a aquisição.
A Promessa de Compra e Venda Condicionada
Existe ainda uma terceira via, muito utilizada no mercado imobiliário, que é o Compromisso de Compra e Venda com cláusula suspensiva ou resolutiva.
Neste cenário, assina-se um contrato onde o comprador dá um sinal (arras) ou paga parte do valor, e o restante é quitado apenas no ato da assinatura da escritura definitiva, que ocorrerá simultaneamente ao encerramento do inventário (especialmente em inventários extrajudiciais, que são mais céleres).
Esta opção exige cautela extrema na redação das cláusulas contratuais. É vital estipular prazos claros para a finalização do inventário e penalidades caso a regularização demore mais do que o previsto. Sem a assessoria de um advogado imobiliarista, as partes correm o risco de ficarem vinculadas a um contrato que não se concretiza, gerando prejuízos financeiros e disputas judiciais.
Por Que Evitar o “Contrato de Gaveta”?
É imperativo alertar sobre os perigos de tentar vender o imóvel “de boca” ou por contrato particular simples, prometendo regularizar “depois”.
Se o inventário não for finalizado, o imóvel continua em nome do falecido. Se surgirem dívidas trabalhistas ou fiscais em nome do espólio, o imóvel pode ser penhorado, e o comprador que não registrou a propriedade perderá o bem e o dinheiro pago. Além disso, se um dos herdeiros falecer durante esse processo informal, a situação se torna ainda mais complexa, exigindo inventários cumulativos.
A economia com honorários advocatícios na fase inicial costuma custar muito caro no futuro. A regularidade imobiliária é o que garante o valor de mercado do bem.
A Estratégia Define o Sucesso da Venda
Como vimos, vender um imóvel antes do término do inventário é plenamente possível, mas não é uma tarefa para amadores. A escolha entre o Alvará Judicial, a Cessão de Direitos ou a Promessa de Compra e Venda dependerá das peculiaridades do caso: se há consenso entre os herdeiros, se há fundos para os impostos, a urgência da venda e o perfil do comprador.
Cada família possui uma dinâmica única e o patrimônio deve ser tratado com a seriedade que a lei exige. Um passo em falso pode travar o inventário por anos ou gerar nulidades que afastam potenciais compradores.
Se você é herdeiro e precisa vender um bem para custear o processo, ou se é um investidor interessado em um imóvel de espólio, não tome decisões baseadas no senso comum. Entre em contato com nosso escritório hoje mesmo. Nossa equipe fará uma análise detalhada do seu caso, desenhando a estratégia jurídica mais ágil e segura para converter esse patrimônio em liquidez sem dores de cabeça.
