Posso trabalhar em outro emprego enquanto estou afastado pelo INSS?

Trabalhador com expressão pensativa, segurando em uma mão a Carteira de Trabalho e na outra um cartão de benefício do INSS, simbolizando a dúvida e o risco de trabalhar enquanto está afastado por motivo de saúde.

Estar afastado do trabalho por motivo de saúde e recebendo um benefício do INSS é uma situação que, por si só, já traz muitas incertezas. Em meio a dificuldades financeiras e ao desejo de se manter produtivo, uma dúvida muito comum e perigosa surge na mente de diversos segurados: “Será que posso fazer um ‘bico’ ou até mesmo trabalhar em outro emprego para complementar a renda enquanto estou afastado?”

A resposta curta e direta é: não. No entanto, entender o porquê dessa proibição e as graves consequências de descumpri-la é fundamental para evitar a perda do seu benefício e problemas ainda maiores com a Previdência Social.

Este artigo é um guia completo que vai esclarecer de uma vez por todas por que o trabalho é incompatível com o recebimento de benefícios por incapacidade, quais são os riscos envolvidos e o que a legislação diz a respeito. Se você está nessa situação ou conhece alguém que esteja, esta leitura é indispensável.

O Fundamento do Benefício por Incapacidade: Entendendo a Lógica do INSS

Primeiramente, é crucial compreender a natureza do benefício que você está recebendo. Seja o Auxílio por Incapacidade Temporária (antigo auxílio-doença) ou a Aposentadoria por Incapacidade Permanente (antiga aposentadoria por invalidez), ambos partem do mesmo pressuposto: o segurado foi avaliado por uma perícia médica do INSS e considerado temporária ou permanentemente incapaz para exercer sua atividade laboral habitual.

Em outras palavras, o benefício é uma compensação financeira paga pelo Estado justamente porque o trabalhador, por uma questão de saúde, não tem condições de trabalhar. O objetivo é garantir o seu sustento durante o período de recuperação.

Portanto, ao exercer qualquer tipo de atividade remunerada, o segurado entra em uma contradição direta com o motivo que deu origem ao seu benefício. Ele, na prática, está informando ao sistema que possui capacidade para o trabalho, o que torna o recebimento do auxílio ou da aposentadoria indevido.

A Proibição na Lei: O Que Diz a Legislação Previdenciária?

A vedação ao trabalho durante o afastamento não é uma mera formalidade, mas uma regra expressa na legislação. A Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, é muito clara em seu artigo 60, parágrafo 6º, ao tratar do auxílio por incapacidade temporária:

“O segurado em gozo de auxílio por incapacidade temporária insuscetível de recuperação para sua atividade habitual deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, for aposentado por incapacidade permanente.”

A lógica é que, se o segurado tem condições de exercer “outra atividade”, ele deveria passar pelo programa de reabilitação profissional do INSS, e não simplesmente começar a trabalhar por conta própria. Para a aposentadoria por incapacidade permanente, a regra é ainda mais rígida: o benefício é cancelado imediatamente se o aposentado retorna voluntariamente ao trabalho.

As Graves Consequências de Trabalhar Afastado

Muitos podem pensar que um trabalho informal ou um “bico” não será descoberto pelo INSS. Contudo, esse é um erro que pode custar muito caro. O INSS possui mecanismos de cruzamento de dados cada vez mais sofisticados, além de apurar denúncias.

As consequências para quem é pego trabalhando enquanto recebe o benefício são severas:

  1. Cessação Imediata do Benefício: Assim que a irregularidade é constatada, o INSS suspende o pagamento do auxílio ou da aposentadoria. O segurado perde sua fonte de renda e, dependendo do caso, pode ter grande dificuldade para reativar o benefício no futuro.
  2. Obrigação de Devolver os Valores Recebidos: O INSS considerará que todos os meses em que o segurado trabalhou e recebeu o benefício simultaneamente foram pagamentos indevidos. Consequentemente, será instaurado um processo administrativo para cobrar a devolução de todo o dinheiro recebido no período, com juros e correção monetária.
  3. Possível Acusação de Crime de Estelionato: Em casos mais graves, a conduta pode ser enquadrada como crime de estelionato previdenciário (artigo 171, § 3º, do Código Penal), que consiste em obter vantagem ilícita em prejuízo de entidade de direito público. A pena pode variar de um a cinco anos de reclusão, e multa.
  4. Dificuldades em Benefícios Futuros: O histórico de fraude fica registrado no sistema do INSS, o que pode gerar uma análise muito mais rigorosa em futuros pedidos de benefícios, mesmo que legítimos.

Existem Exceções? E o Trabalho Voluntário?

A regra é clara: atividade remunerada é proibida. Não importa se é um trabalho com carteira assinada, um contrato de prestação de serviços como MEI (Microempreendedor Individual) ou um trabalho informal. Se houver geração de renda, a irregularidade está configurada.

Até mesmo o trabalho voluntário deve ser visto com cautela. Embora não seja remunerado, dependendo da natureza da atividade, o INSS pode interpretá-la como um indicativo de que o segurado possui capacidade para o trabalho e, a partir disso, convocar o beneficiário para uma nova perícia de revisão.

Conclusão: A Importância da Orientação Jurídica

Sabemos que as dificuldades financeiras durante um afastamento por motivo de saúde são reais e angustiantes. O valor do benefício muitas vezes não cobre todas as despesas do segurado e de sua família. No entanto, buscar uma solução que viole a lei nunca é o caminho.

A decisão de trabalhar enquanto afastado pode transformar um problema financeiro temporário em uma dívida gigantesca com o INSS, a perda definitiva do benefício e até mesmo em um processo criminal. O risco, simplesmente, não compensa.

Se você está afastado, e o valor do benefício é insuficiente ou se já se sente apto para retornar a alguma atividade, o procedimento correto é buscar orientação. Converse com seu médico sobre sua real capacidade e, acima de tudo, procure um advogado especialista em direito previdenciário. Este profissional poderá analisar seu caso, verificar a possibilidade de solicitar uma revisão do benefício, orientar sobre o processo de reabilitação profissional ou, se for o caso, solicitar a alta programada ao INSS para que você possa retornar ao mercado de trabalho com segurança e sem cometer ilegalidades.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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