Fui obrigado a assinar termo no hospital público. Isso é legal?

Fui obrigado a assinar termo no hospital público. Isso é legal?

Imagine a seguinte situação: você ou um familiar está em uma situação de emergência médica, precisando de atendimento urgente em um hospital público. A prioridade é a saúde e o bem-estar. No entanto, em meio à tensão e à urgência do momento, você é abordado por funcionários do hospital e, de forma insistente, quase que coagido, a assinar diversos documentos ou termos de responsabilidade. A sensação é de que, se não assinar, o atendimento será negado ou prejudicado. A dúvida que fica é: “Fui obrigado a assinar termo no hospital público. Isso é legal?”

Essa é uma preocupação real e muito mais comum do que se imagina. A pressão para assinar documentos em momentos de fragilidade pode levar a situações de grande angústia e, o que é pior, a assinar termos que podem, futuramente, trazer prejuízos ou limitar seus direitos. Em um país onde o direito à saúde é garantido pela Constituição Federal como um direito fundamental e universal, a ideia de que o atendimento possa ser condicionado à assinatura de qualquer documento levanta sérias questões sobre a legalidade e a ética dos hospitais, mesmo os públicos.

Este artigo foi elaborado para esclarecer essa situação complexa, detalhando o que a lei diz sobre a exigência de termos de responsabilidade em hospitais públicos, quais são os limites éticos e legais para essas solicitações, e, fundamentalmente, como você pode se proteger e defender seus direitos caso se sinta coagido. Compreender seus direitos como paciente é essencial para garantir um atendimento digno e justo.

O Direito Fundamental à Saúde e o Atendimento Emergencial

No Brasil, o direito à saúde é um direito social e fundamental, garantido pelo artigo 196 da Constituição Federal. Isso significa que é dever do Estado (União, Estados e Municípios) garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Em outras palavras, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender a todos, sem distinção.

Mais especificamente, em casos de emergência médica, a legislação e a ética médica são muito claras: o atendimento não pode ser negado ou condicionado a qualquer tipo de pagamento, assinatura de documentos ou apresentação de garantias. A prioridade máxima é a preservação da vida e a garantia da assistência necessária. O Código de Ética Médica e diversas leis reforçam essa premissa.

Por Que Hospitais Públicos Pedem Assinatura de Termos?

Apesar do direito fundamental à saúde, hospitais públicos podem solicitar a assinatura de alguns documentos. As razões podem variar:

  1. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): Este é o termo mais comum e, em sua essência, legal e fundamental. Ele informa o paciente (ou seu responsável legal) sobre o procedimento médico a ser realizado, seus riscos, benefícios, alternativas e possíveis complicações. O objetivo é garantir que o paciente tome uma decisão informada sobre seu tratamento. A assinatura significa que o paciente entende e concorda com o que será feito.
  2. Registro Administrativo: Alguns termos podem ser para fins puramente burocráticos, como autorização para uso de imagem em prontuário (para fins de identificação, por exemplo) ou para registro de dados pessoais.
  3. Transferência ou Alta a Pedido: Em algumas situações, se o paciente deseja ser transferido para outro hospital ou receber alta contra a recomendação médica, o hospital pode pedir a assinatura de um termo de responsabilidade, a fim de se eximir de responsabilidade por complicações decorrentes dessa decisão do paciente.

Quando a Exigência de Assinatura se Torna Abusiva e Ilegal?

A linha que separa a legalidade da ilegalidade na exigência de termos no hospital é tênue, mas crucial. A situação se torna abusiva e ilegal quando:

  1. Condicionamento do Atendimento de Urgência/Emergência:
    • Proibido: Nenhuma assinatura, documento ou termo pode ser exigido como condição prévia para o atendimento de um caso de urgência ou emergência. A vida e a saúde vêm em primeiro lugar. O hospital tem o dever de estabilizar o paciente imediatamente.
    • Exemplo Abusivo: Exigir que o familiar assine um termo de responsabilidade financeira ou um termo de “não responsabilidade” antes de realizar um procedimento vital.
  2. Coação ou Pressão Indevida:
    • Ilegal: Quando o paciente ou familiar é submetido a uma pressão psicológica ou ameaça de não atendimento para assinar documentos. Em momentos de fragilidade, a “livre vontade” fica comprometida.
    • Exemplo Abusivo: Ameaçar suspender o atendimento, negar um leito ou atrasar um procedimento se um termo não for assinado imediatamente.
  3. Termos de Conteúdo Abusivo ou Ilegal:
    • Inválido: Termos que tentam isentar o hospital de responsabilidade por negligência, imprudência ou imperícia de sua equipe, ou que transferem para o paciente ônus que são do hospital (como a responsabilidade por equipamentos).
    • Exemplo Abusivo: Um termo que force o paciente a abrir mão de futuras ações judiciais contra o hospital por erros médicos, antes mesmo de qualquer fato ter ocorrido.
  4. Falta de Esclarecimento Adequado (TCLE):
    • Embora o TCLE seja legal, ele se torna inválido se o paciente não tiver a oportunidade real de ler, compreender e tirar dúvidas. Ele deve ser assinado por livre e espontânea vontade, após o esclarecimento adequado sobre o procedimento.
    • Ilegalidade: Apresentar um TCLE e exigir assinatura imediata, sem explicações claras, em linguagem acessível e em um ambiente que permita a reflexão.

O Que Fazer se Você For Coagido a Assinar?

Se você ou um familiar se sentirem coagidos a assinar um termo no hospital público, algumas medidas podem ser tomadas:

  1. Mantenha a Calma, mas Seja Firme: Entenda a urgência da situação, mas tente manter a clareza. Você pode expressar que não se sente confortável em assinar sob pressão.
  2. Peça para Ler com Calma: Solicite um tempo para ler o documento. Se a pressão for intensa, diga que precisa de alguns minutos ou que gostaria de entender melhor.
  3. Não Assine se Não Entender ou Discordar: Se o conteúdo for confuso, abusivo ou se você não concordar, não assine. A não assinatura, em casos de emergência, não pode impedir o atendimento.
  4. Registre a Situação: Se possível, e sem comprometer o atendimento, tente registrar a coação:
    • Anote nomes: Dos funcionários que estão pressionando.
    • Peça cópia: Mesmo que não assine, peça uma cópia do termo que lhe foi apresentado.
    • Testemunhas: Peça a pessoas presentes (outros familiares, amigos) para testemunhar a situação.
    • Gravação: Em último caso, se houver grave coação e a situação permitir, uma gravação (áudio ou vídeo) pode servir como prova, desde que seja para seu próprio uso e em ambiente público.
  5. Assine “Sob Protesto” (com cautela): Em situações extremas, se o atendimento estiver em risco iminente e você se sentir forçado a assinar, é possível escrever ao lado da sua assinatura a expressão “Assino sob protesto” ou “Assino sob coação”. Isso pode servir como um indício de que a assinatura não foi voluntária, embora a validade dessa ressalva possa ser contestada em juízo. Esta medida deve ser usada com cautela e apenas em situações de real coação para garantir o atendimento.
  6. Busque Ajuda Jurídica Imediata: Assim que a situação de emergência passar, procure um advogado especializado em Direito da Saúde ou do Consumidor. Ele poderá analisar o termo assinado, avaliar a legalidade da situação e tomar as medidas cabíveis.

Medidas Legais Cabíveis

Caso você tenha sido coagido ou tenha assinado um termo abusivo, um advogado poderá propor as seguintes ações:

  1. Ação de Nulidade do Termo: Se o termo assinado for ilegal ou obtido por coação, é possível pedir sua anulação judicialmente.
  2. Ação de Indenização por Danos Morais: Se a coação ou a negativa de atendimento gerou sofrimento, humilhação ou angústia indevida, você pode ter direito a uma indenização por danos morais contra o hospital ou o Estado.
  3. Denúncia a Órgãos Competentes:
    • Ministério Público: Pode investigar a conduta do hospital e tomar medidas para proteger os direitos coletivos.
    • Defensoria Pública: Oferece assistência jurídica gratuita para quem não pode pagar um advogado.
    • Ouvidoria do SUS: Canal para registrar reclamações e denúncias sobre o atendimento.
    • Conselhos Regionais de Medicina (CRM): Em caso de conduta ética duvidosa por parte dos profissionais.

O direito à saúde é inalienável e o atendimento de urgência e emergência em hospitais públicos não pode ser condicionado à assinatura de termos ou qualquer outra exigência que coloque em risco a vida do paciente. Embora alguns documentos, como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sejam válidos e importantes para a relação médico-paciente, a coação para assinar termos em hospital público é uma prática abusiva e ilegal.

Sua vulnerabilidade em um momento de doença ou emergência não pode ser explorada. Conhecer seus direitos, documentar a situação e, principalmente, buscar o auxílio de um advogado especializado são as ferramentas mais poderosas para combater essas práticas e garantir que a sua dignidade e seu direito à saúde sejam plenamente respeitados. Não hesite em lutar por aquilo que lhe é devido por lei.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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