Imagine a situação: você está passando por um momento delicado, afastado do trabalho por motivo de doença ou acidente. Sua saúde já está fragilizada, e a última coisa que você precisa é se preocupar com a perda do plano de saúde. Infelizmente, essa é uma dúvida muito comum e que gera grande angústia entre os trabalhadores brasileiros. A empresa pode, de repente, cortar o plano de saúde enquanto estou afastado?
No nosso escritório, lidamos diariamente com casos de trabalhadores que se sentem desamparados nessa situação. Por isso, preparamos este artigo completo para esclarecer seus direitos e as regras que regem a manutenção do benefício em períodos de afastamento. Entender a legislação é o primeiro passo para garantir a sua tranquilidade e acesso à saúde.
O Básico: Plano de Saúde e Contrato de Trabalho
Primeiramente, é importante entender que o plano de saúde empresarial é um benefício concedido pela empresa aos seus empregados. Ele pode ser uma liberalidade (algo que a empresa oferece por vontade própria) ou uma obrigação, caso esteja previsto em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Quando o empregado se afasta do trabalho, seja por doença, acidente de trabalho, licença-maternidade ou licença remunerada, a relação de trabalho entra em uma fase de suspensão ou interrupção do contrato de trabalho. E é nesse ponto que surgem as dúvidas sobre a manutenção dos benefícios.
Afastamento por Doença ou Acidente de Trabalho: Suspensão ou Interrupção?
A distinção entre suspensão e interrupção é crucial para entender a manutenção do plano de saúde.
- Interrupção do Contrato de Trabalho:
- Neste caso, o contrato de trabalho continua a produzir todos os seus efeitos. Isso significa que o empregado continua recebendo salário (ou o benefício previdenciário do INSS complementado pela empresa, se for o caso) e mantém todos os direitos e benefícios, como se estivesse trabalhando normalmente.
- Exemplos: Férias, licença-maternidade, afastamento por doença nos primeiros 15 dias (pagos pela empresa), ou quando a empresa complementa o salário mesmo após o 15º dia de afastamento pelo INSS.
- Plano de Saúde: Durante a interrupção, a empresa NÃO PODE CORTAR O PLANO DE SAÚDE. O benefício deve ser mantido integralmente, nas mesmas condições de cobertura e custeio.
- Suspensão do Contrato de Trabalho:
- Na suspensão, as principais obrigações do contrato são interrompidas. O empregado não recebe salário da empresa (passa a receber benefício previdenciário do INSS, como auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, ou não recebe nada, em casos de licença não remunerada) e não presta serviços.
- Exemplos: Afastamento por doença ou acidente de trabalho a partir do 16º dia (quando o INSS assume o pagamento), licença sem vencimentos.
- Plano de Saúde: É aqui que a situação se torna mais complexa. A regra geral da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não obriga a manutenção do plano de saúde durante a suspensão. No entanto, a jurisprudência, a ANS e as negociações coletivas trazem importantes exceções e garantias.
O Que Diz a Lei e a Jurisprudência sobre o Plano de Saúde na Suspensão?
Embora a CLT não seja explícita sobre a obrigatoriedade do plano de saúde na suspensão, a interpretação dos tribunais e as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) buscam proteger o trabalhador.
a) A Súmula 440 do TST (Tribunal Superior do Trabalho)
Esta Súmula é um marco importante para os afastados por doença ou acidente. Ela estabelece que:
- “Assegura-se o direito à manutenção de plano de saúde ou de assistência médica oferecido pela empresa ao empregado, ainda que suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez.”
O que isso significa? Se o afastamento é decorrente de acidente de trabalho ou de doença ocupacional (aquela relacionada ao trabalho), mesmo que o contrato esteja suspenso e o empregado esteja recebendo benefício do INSS, a empresa é obrigada a manter o plano de saúde. Isso inclui a cobertura do plano e o custeio. A empresa não pode cortar o benefício.
b) Doença Comum: O Grande Debate
Se o afastamento for por doença comum (não relacionada ao trabalho), a situação é mais delicada. A Súmula 440 do TST não se aplica diretamente. Porém, existem argumentos jurídicos e decisões judiciais que podem levar à manutenção do plano:
- Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho: Muitos sindicatos negociam cláusulas em acordos e convenções coletivas que garantem a manutenção do plano de saúde em todos os tipos de afastamento, inclusive por doença comum. É fundamental consultar o seu sindicato ou o seu acordo coletivo.
- Princípio da Boa-fé Contratual e Função Social do Contrato: Argumenta-se que, como o plano de saúde é um benefício que visa garantir a saúde do trabalhador e sua família, cortá-lo justamente no momento em que ele mais precisa (afastado por doença) viola a boa-fé e a função social do contrato.
- Regulamentação da ANS: A Resolução Normativa 309 da ANS prevê a possibilidade de o ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa, ou aposentado, manter seu plano de saúde nas mesmas condições de cobertura do plano da empresa, desde que assuma o pagamento integral. Embora não seja exatamente para o afastado, essa norma mostra a preocupação em garantir a continuidade do plano. É um indicativo de que a interrupção abrupta pode ser questionada.
c) Licença Maternidade
A licença-maternidade é considerada interrupção do contrato de trabalho. Portanto, a gestante e a lactante têm direito à manutenção integral do plano de saúde durante todo o período da licença, sem alteração nas condições de custeio ou cobertura.
Quando o Plano Pode Ser Cortado (ou Oferecida a Continuidade)
A empresa pode cessar a cobertura do plano de saúde se o contrato de trabalho for extinto, ou seja, se houver demissão sem justa causa, pedido de demissão ou demissão por justa causa.
No entanto, mesmo nestes casos, a ANS garante ao ex-empregado e seus dependentes o direito de manter o plano de saúde nas mesmas condições de cobertura (rede credenciada, tipo de acomodação), desde que assumam o pagamento integral do benefício (o valor que antes era subsidiado pela empresa + a sua parte, se havia coparticipação na mensalidade).
- Prazos:
- Demissão sem justa causa (ou exoneração): O direito de manutenção é de 1/3 do tempo de permanência no plano, limitado a um mínimo de 6 meses e um máximo de 24 meses.
- Aposentados: Têm direito a manter o plano por tempo indeterminado, desde que tenham contribuído por pelo menos 10 anos. Se contribuíram por menos de 10 anos, o direito é de 1 ano para cada ano de contribuição.
Importante: A empresa deve notificar o empregado sobre essa opção no momento do desligamento.
Fui Afastado e a Empresa Cortou Meu Plano. O Que Fazer?
Se você está afastado (especialmente por acidente de trabalho ou doença ocupacional) e a empresa cortou seu plano de saúde, ou se você foi demitido e não lhe foi oferecida a opção de continuar com o plano, siga estes passos:
- Documente Tudo: Guarde todos os comunicados da empresa sobre o afastamento, o corte do plano, contracheques, atestados médicos, cartas de concessão do INSS, e-mails, etc.
- Tente o Diálogo com a Empresa: Primeiramente, entre em contato com o RH da empresa. Pode ser um engano ou falta de informação. Peça esclarecimentos e a imediata reativação do plano, citando a Súmula 440 do TST, se for o caso.
- Contate a Operadora do Plano de Saúde: Confirme com a operadora se o plano foi cancelado e quem solicitou o cancelamento.
- Busque o Sindicato: Seu sindicato pode ter acordos coletivos que garantem a manutenção do plano e pode intermediar a situação.
- Acesse a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar): Você pode registrar uma reclamação na ANS, que é o órgão fiscalizador. Eles podem notificar a empresa e exigir explicações.
- Procure um Advogado Especializado em Direito do Trabalho e Direito da Saúde: Esta é a medida mais efetiva se as tentativas anteriores falharem. Um advogado poderá analisar seu caso, verificar se houve violação de seus direitos e, se necessário, ingressar com uma ação judicial para garantir a reativação do plano de saúde, indenização por danos morais e materiais (caso você tenha tido gastos com saúde por falta do plano).
Não Deixe Seus Direitos De Lado!
O período de afastamento do trabalho já é, por si só, um desafio. Não ter a segurança do plano de saúde nesse momento pode agravar ainda mais a sua situação. É fundamental que você conheça seus direitos e saiba que a lei e a jurisprudência buscam proteger o trabalhador, especialmente em situações de saúde fragilizada.
Se a sua empresa cortou seu plano de saúde indevidamente enquanto você estava afastado, ou se você não teve a oportunidade de manter o benefício após o desligamento, não se cale. Busque ajuda jurídica. Nosso escritório está preparado para analisar o seu caso e lutar para que seus direitos sejam integralmente respeitados. Sua saúde e sua tranquilidade são inegociáveis.