A escola pode recusar a renovação da matrícula de um aluno devedor?

Foto de uma criança de mochila, com um semblante triste, olhando para um portão de escola fechado. A imagem simboliza a preocupação e o constrangimento que um aluno e sua família podem enfrentar devido à recusa de matrícula por inadimplência.

A cobrança de mensalidades escolares em atraso é uma realidade para muitas instituições de ensino. As escolas precisam garantir o pagamento para manterem suas operações, mas a inadimplência levanta uma questão legal e ética complexa: a escola pode recusar a renovação da matrícula de um aluno devedor? Essa dúvida aflige pais e responsáveis, que se veem em uma situação de vulnerabilidade, temendo que seus filhos sejam prejudicados em sua educação por questões financeiras.

A resposta para essa pergunta é clara e direta, e está prevista na legislação brasileira. De forma resumida, não, a escola não pode recusar a matrícula ou a renovação da matrícula de um aluno por motivo de inadimplência. Embora a instituição de ensino tenha o direito de cobrar a dívida, ela não pode usar a negativa de matrícula como forma de coação.

O Que Diz a Lei Sobre a Inadimplência Escolar?

A proibição de recusa de matrícula por motivo de inadimplência está amparada na Lei nº 9.870/99, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares. O artigo 6º dessa lei é bastante explícito ao determinar que:

“São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento.”

A negativa de renovação de matrícula se enquadra perfeitamente na categoria de “outras penalidades pedagógicas”. A lei garante, portanto, que o acesso à educação seja preservado, mesmo em caso de dívida.

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 42, proíbe a cobrança de dívidas de forma vexatória ou que exponha o consumidor ao ridículo. A recusa de matrícula, além de ser uma penalidade, pode causar constrangimento ao aluno e à família, o que a torna uma prática abusiva.

O Que a Escola Pode Fazer Para Cobrar a Dívida?

Embora a escola não possa impedir a matrícula, ela possui outros mecanismos legais para a cobrança da dívida. É fundamental que os pais e responsáveis saibam quais são as práticas permitidas para que não se sintam acuados por cobranças indevidas.

A escola pode, por exemplo, protestar o título de crédito (o contrato de prestação de serviços educacionais) em cartório ou incluir o nome do responsável financeiro nos órgãos de proteção ao crédito (como SERASA e SPC). Essas são medidas de cobrança legítimas e não se confundem com a interrupção do serviço educacional.

A instituição de ensino também pode entrar com uma ação judicial de cobrança para reaver os valores devidos. O processo judicial é uma via legal e adequada para a solução de conflitos financeiros, garantindo que a escola receba o que lhe é devido sem prejudicar a continuidade dos estudos do aluno.

É importante ressaltar que a escola deve notificar os pais ou responsáveis sobre a inadimplência e tentar uma negociação antes de tomar medidas mais drásticas. O diálogo é sempre o melhor caminho para evitar o agravamento da situação.

O Que a Escola NÃO Pode Fazer?

É crucial que os pais conheçam seus direitos para se protegerem de práticas abusivas. A escola não pode, em hipótese alguma:

  • Aplicar sanções pedagógicas: Proibir o aluno de fazer provas, reter boletins, ou negar a entrega de outros documentos escolares (como o histórico escolar) por causa da dívida. Essas práticas são ilegais e passíveis de reparação judicial.
  • Expor o aluno ou a família: A escola não pode divulgar a lista de alunos inadimplentes, nem constranger a criança ou o adolescente na frente de outros colegas. Isso é uma violação do Código de Defesa do Consumidor.
  • Recusar a renovação da matrícula: Como já mencionado, essa é uma das proibições mais importantes e diretas da Lei nº 9.870/99. A escola é obrigada a renovar a matrícula para o ano letivo seguinte, mesmo que haja débitos pendentes.
  • Desligar o aluno durante o ano letivo: A lei proíbe que a escola desligue o aluno de suas atividades durante o ano letivo por motivo de inadimplência. O aluno tem o direito de concluir o período letivo em curso, independentemente da situação financeira.

Qual o Limite da Responsabilidade da Escola?

É importante notar que a proteção legal se estende ao longo do ano letivo. A escola não pode desligar o aluno por falta de pagamento. No entanto, o contrato de prestação de serviços educacionais é anual. Se a dívida se referir ao ano letivo atual e não houver negociação para quitação, a escola pode se negar a fornecer o histórico escolar ao final do ano, mas somente se o débito for referente a parcelas vencidas no ano letivo em curso. Nesses casos, a documentação só será entregue após a quitação da dívida.

No entanto, essa retenção de documentos também é um tema controverso na jurisprudência. Por isso, a regra geral é que o documento deve ser entregue, sob pena de a instituição ser condenada a ressarcir a família por danos morais.

O Que Fazer se a Escola Recusar a Matrícula?

Se a escola se recusar a renovar a matrícula do seu filho, o primeiro passo é tentar uma negociação amigável. Mostre à instituição que você conhece os seus direitos e que a prática é ilegal. Em muitos casos, a escola cede ao ver que os pais estão bem informados.

Se a escola persistir na recusa, é fundamental procurar um advogado. Um especialista em direito do consumidor ou direito educacional poderá orientar sobre as medidas legais cabíveis, que podem incluir uma ação judicial com pedido de liminar para garantir a matrícula do aluno. A liminar é uma decisão judicial de urgência que obriga a escola a matricular o aluno de imediato, enquanto o processo continua.

Não permita que a educação do seu filho seja prejudicada por uma prática ilegal. O acesso à educação é um direito constitucional, e a legislação brasileira é clara e protetora nesse sentido.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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