Diferença entre contrato de trabalho e contrato de imagem no esporte

Advogado especialista em direito desportivo analisando contrato de trabalho e contrato de imagem de atleta profissional em escritório.

No universo esportivo, especialmente no futebol de alto rendimento, os valores transacionados atingem cifras astronômicas. O que muitos espectadores e até mesmo atletas iniciantes não compreendem é a complexa arquitetura jurídica que sustenta a remuneração desses profissionais. Frequentemente, ouvimos falar que um jogador recebe seu pagamento dividido em “salário na carteira” e “direito de imagem”.

Essa divisão, embora legal quando aplicada corretamente, tornou-se uma das áreas mais sensíveis e de maior risco jurídico no Direito Desportivo. A confusão (ou a utilização deliberada e fraudulenta) entre o contrato de trabalho e o contrato de imagem é a principal fonte de passivos trabalhistas que podem custar milhões aos clubes.

Como advogados especialistas na área, entendemos que essa distinção não é mera formalidade. É o pilar que define obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. Ignorá-la ou manipulá-la é um risco que nem atletas nem entidades esportivas deveriam correr. Neste guia, explicaremos de forma definitiva a natureza, a aplicação e os perigos de cada um desses contratos.

O Pilar: O Contrato de Trabalho do Atleta Profissional

O primeiro e mais importante vínculo entre um atleta e um clube é o Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD). Ele é, em essência, um contrato de trabalho, regido tanto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) quanto, e principalmente, pela Lei nº 9.615/98 (a Lei Pelé).

Este contrato formaliza a relação de emprego. Ele estabelece que o atleta é um funcionário da entidade desportiva.

Características do Vínculo de Emprego no Esporte

Como qualquer relação de emprego, o contrato de trabalho do atleta possui quatro elementos fundamentais:

  1. Pessoalidade: O atleta deve prestar o serviço pessoalmente, não podendo enviar “substituto” para treinar ou jogar em seu lugar.
  2. Onerosidade: O atleta recebe uma contraprestação financeira (salário) pelo serviço prestado.
  3. Não Eventualidade: O trabalho é contínuo, inserido na atividade-fim do clube (treinos diários, jogos semanais, concentrações).
  4. Subordinação: Este é o elemento central. O atleta está subordinado às ordens do clube, como horários de treino, determinações técnicas do treinador, regras de conduta e disciplina, e locais de competição.

O Objeto do Contrato de Trabalho

O que o clube “compra” com o contrato de trabalho é a força de trabalho do atleta. Ou seja, o atleta é pago para treinar, jogar, concentrar-se, viajar com a delegação e cumprir as determinações táticas.

Sobre este valor pago “em carteira”, incidem todos os reflexos trabalhistas e previdenciários: Fundo de Garantia (FGTS), contribuição ao INSS, férias remuneradas acrescidas de 1/3, 13º salário e, no caso específico dos atletas, o “Direito de Arena” (que é distinto do direito de imagem).

A Natureza Civil: O Contrato de Direito de Imagem

Paralelamente ao vínculo de emprego, existe o direito de imagem. Este direito é um “direito de personalidade”, garantido pela Constituição Federal (Art. 5º) e pelo Código Civil. Ele assegura que ninguém pode usar a imagem, o nome ou a voz de uma pessoa para fins comerciais sem sua expressa autorização.

O contrato de direito de imagem, portanto, não tem natureza trabalhista; ele possui natureza estritamente civil ou comercial.

O Objeto do Contrato de Imagem

Quando um clube firma um contrato de imagem com um atleta, ele não está pagando pelo seu trabalho (o ato de jogar futebol), mas sim pelo direito de explorar comercialmente a imagem daquele profissional.

Isso inclui:

  • Participação em campanhas publicitárias do clube ou de patrocinadores.
  • Uso do nome e imagem em produtos licenciados (camisetas, canecas, álbuns de figurinhas).
  • Eventos promocionais e aparições públicas fora da rotina de treinos e jogos.
  • Publicidade em redes sociais associada ao clube.

Em suma, o contrato de trabalho remunera o atleta pelo que ele faz (o esforço físico e técnico); o contrato de imagem remunera o atleta pelo que ele é (sua fama, seu prestígio, sua capacidade de atrair público e vendas).

O Ponto Crítico: O Limite Legal de 40%

A legislação brasileira, ciente da tentação de usar o contrato de imagem para burlar encargos trabalhistas, impôs um limite claro. A Lei Pelé (Art. 87-A) estabelece um teto para os valores pagos como direito de imagem:

“O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.”

A lei segue e define que, desde que o contrato de imagem não ultrapasse 40% do total da remuneração do atleta (somando salário + imagem), os valores pagos como imagem não serão considerados salário para efeitos trabalhistas ou previdenciários.

Exemplo Prático: Se um atleta recebe R$ 100.000,00 no total:

  • Salário (CETD): No mínimo R$ 60.000,00 (60%)
  • Direito de Imagem: No máximo R$ 40.000,00 (40%)

Neste cenário, os encargos (FGTS, INSS) incidirão apenas sobre os R$ 60.000,00. Se o clube pagar R$ 50.000,00 de salário e R$ 50.000,00 de imagem, ele já está em desconformidade e assume um risco grave.

O Risco da “Pejotização” e a Fraude Trabalhista

Aqui reside o maior perigo jurídico para os clubes e uma armadilha para os atletas: a prática de “pejotização” fraudulenta.

Muitas entidades esportivas, para reduzir drasticamente sua carga tributária, exigem que o atleta crie uma empresa (uma Pessoa Jurídica – PJ) para “prestar serviços de imagem”. O clube, então, paga um salário-mínimo irrisório na carteira de trabalho (ex: R$ 5.000,00) e deposita o restante (ex: R$ 200.000,00) na conta da PJ do atleta, como se fosse pagamento por “direito de imagem”.

Isso é uma fraude trabalhista clássica.

No Direito do Trabalho, vigora o Princípio da Primazia da Realidade. Este princípio determina que o que importa não é o que está escrito nos contratos (“contrato de imagem”), mas o que de fato acontece na prática.

Se o atleta recebe aquele valor (pago “por fora” como imagem) independentemente de sua imagem ser efetivamente explorada em publicidade, se ele recebe mesmo estando lesionado, ou se o pagamento é fixo e mensal apenas como contraprestação por ele estar jogando, a Justiça do Trabalho irá, invariavelmente, reconhecer que aquele valor era salário disfarçado.

As Consequências Jurídicas da Fraude

Quando a Justiça do Trabalho identifica essa manobra, as consequências para o clube são devastadoras.

Para a Entidade Desportiva (Clube)

O clube será condenado a integrar os valores pagos como imagem ao salário do atleta. Isso significa que ele deverá pagar retroativamente, sobre todo o montante pago “por fora” (os R$ 200.000,00 do exemplo), todos os encargos dos últimos cinco anos:

  • FGTS (8% sobre o valor total);
  • Férias + 1/3 constitucional;
  • 13º Salários;
  • Contribuições previdenciárias (INSS patronal);
  • Multa de 40% do FGTS em caso de rescisão.

O que parecia uma “economia” mensal transforma-se em um passivo trabalhista milionário, capaz de comprometer a saúde financeira da instituição.

Para o Atleta

Embora o atleta seja o autor da ação, a “pejotização” também o prejudica. Ao aceitar receber “por fora”, ele deixa de recolher INSS sobre o valor real (impactando sua aposentadoria e auxílio-doença) e não acumula o FGTS correspondente. Em uma demissão, seu “acerto” rescisório seria calculado sobre o salário-mínimo registrado, e não sobre sua remuneração real.

A Importância da Estruturação Jurídica Correta

A distinção entre contrato de trabalho e contrato de imagem no esporte não é uma opção, mas uma exigência legal. A linha que separa a otimização fiscal legítima da fraude trabalhista é definida pela realidade dos fatos e pelo limite de 40% estabelecido na Lei Pelé.

Para os clubes, tentar economizar em encargos trabalhistas através do uso simulado de contratos de imagem é uma estratégia de alto risco que resulta, quase invariavelmente, em condenações vultosas na Justiça do Trabalho. Para os atletas, é crucial entender que acordos aparentemente vantajosos no curto prazo podem significar a perda de direitos essenciais no futuro.

A estruturação correta desses contratos, respeitando a natureza de cada um, é a única forma de garantir segurança jurídica, previsibilidade financeira e conformidade legal para ambas as partes.

Nosso escritório possui um núcleo especializado em Direito Trabalhista. Compreendemos a dinâmica do setor e atuamos na elaboração, análise e revisão de contratos de trabalho e de imagem, garantindo que estejam blindados contra futuros litígios.

Se você é atleta, agente ou gestor de clube e busca segurança jurídica em suas relações contratuais, Entre em contato conosco. Oferecemos consultoria personalizada para analisar seu caso, esclarecer dúvidas e propor as soluções jurídicas mais seguras e eficientes. Solicite um orçamento e proteja sua carreira ou sua entidade.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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