Direito de Laje e Alterações Estruturais: Aspectos Jurídicos da Construção Superior.

Direito da Laje

O cenário urbano brasileiro apresenta diversas formas de ocupação do solo, e uma delas, que ganhou reconhecimento legal nos últimos anos, é o Direito de Laje. Essa modalidade jurídica permite a construção acima de uma edificação já existente, conferindo ao titular da nova unidade autônoma direitos e deveres específicos. Contudo, a realização de alterações estruturais para viabilizar essa construção superior demanda atenção a diversos aspectos jurídicos para evitar litígios e garantir a segurança da edificação.

A Origem e o Reconhecimento Legal do Direito de Laje

Historicamente comum em comunidades e áreas urbanas com adensamento populacional, a prática de construir sobre a laje de outra edificação encontrou respaldo legal com a promulgação da Lei nº 13.465/2017, que alterou o Código Civil e introduziu os artigos 1.510-A a 1.510-E, disciplinando o Direito de Laje.

Em essência, o Direito de Laje concede ao proprietário da construção base o direito de constituir uma unidade imobiliária distinta sobre sua edificação original, em favor de outrem, que passa a ser o titular da construção superior. Essa nova unidade autônoma terá matrícula própria no Registro de Imóveis, separada da construção inferior.

As Alterações Estruturais e suas Implicações Jurídicas

Para que a construção superior se torne uma realidade física e jurídica, é quase inevitável a realização de alterações estruturais na edificação preexistente. Essas modificações podem envolver o reforço da estrutura original, a criação de acessos independentes (escadas, elevadores), a instalação de novas redes de infraestrutura (elétrica, hidráulica, sanitária) e outras intervenções.

Do ponto de vista jurídico, essas alterações estruturais demandam uma análise cuidadosa sob diversas perspectivas:

  • Consentimento do Proprietário da Construção Base: A constituição do Direito de Laje e, consequentemente, a realização de alterações estruturais dependem, inequivocamente, do consentimento expresso do proprietário da construção inferior. Esse consentimento deve ser formalizado por escritura pública, registrada no Cartório de Registro de Imóveis, conforme determina o artigo 1.510-A do Código Civil. A ausência desse consentimento torna a construção superior irregular e passível de demolição.
  • Regularidade da Construção Base: É fundamental que a construção original esteja regularizada perante os órgãos competentes (Prefeitura Municipal, Corpo de Bombeiros, etc.). Qualquer pendência administrativa ou irregularidade na edificação base pode impactar a viabilidade e a legalidade da construção superior.
  • Projetos e Aprovações: As alterações estruturais necessárias para a construção da laje devem ser precedidas da elaboração de projetos técnicos detalhados, assinados por profissionais habilitados (engenheiros e arquitetos), e da aprovação dos órgãos municipais competentes. Essa aprovação garante que a construção superior atende às normas de segurança, acessibilidade, zoneamento e outras exigências legais. A construção sem as devidas aprovações é considerada clandestina e sujeita a sanções administrativas, como multas e embargo da obra.
  • Impacto na Estrutura Existente: Os projetos devem contemplar a análise do impacto das novas cargas sobre a estrutura da construção original. É imprescindível garantir que a edificação base tenha capacidade de suportar a nova construção sem comprometer sua segurança e estabilidade. Laudos técnicos e cálculos estruturais são documentos essenciais nesse processo.
  • Acessos Independentes: A legislação busca garantir a independência entre as unidades autônomas. Dessa forma, a construção superior, em regra, deve possuir acesso independente, que não se confunda com o acesso à construção inferior. A criação desse acesso (escadas, elevadores) deve ser planejada e executada em conformidade com as normas de acessibilidade e segurança.
  • Infraestrutura Independente: Idealmente, a construção superior deve contar com redes de infraestrutura independentes (água, luz, esgoto, gás). A separação dessas instalações evita conflitos futuros entre os titulares das diferentes unidades e facilita a individualização do consumo.
  • Responsabilidade Civil: A realização de alterações estruturais implica em responsabilidade civil tanto do proprietário da nova construção quanto do profissional responsável pelo projeto e execução da obra. Caso as intervenções causem danos à construção inferior ou a terceiros, os responsáveis poderão ser acionados judicialmente para reparar os prejuízos.
  • Seguro da Construção: É recomendável que tanto o proprietário da construção base quanto o titular da laje contratem seguros de responsabilidade civil e contra danos durante a execução da obra e após a sua conclusão, para se protegerem de eventuais imprevistos.

Direitos e Deveres dos Titulares:

A constituição do Direito de Laje estabelece direitos e deveres para ambos os titulares:

  • Titular da Construção Base: Tem o direito de constituir a laje e receber a contraprestação acordada, além de ter garantida a segurança e a integridade de sua construção. Tem o dever de consentir com as alterações estruturais necessárias e de não interferir injustificadamente na construção superior.
  • Titular da Laje: Tem o direito de construir sobre a laje, de utilizar e dispor da sua unidade autônoma, e o dever de realizar as obras em conformidade com os projetos aprovados e as normas técnicas, além de contribuir para as despesas de conservação e manutenção das áreas comuns, se houver.

A Importância do Acompanhamento Jurídico Especializado

Diante da complexidade dos aspectos jurídicos envolvidos no Direito de Laje e nas alterações estruturais, é fundamental contar com o acompanhamento de um advogado especializado em direito imobiliário. Esse profissional poderá:

  • Analisar a viabilidade jurídica da constituição do Direito de Laje.
  • Elaborar ou revisar a escritura pública de constituição da laje.
  • Orientar sobre os projetos e as aprovações necessárias.
  • Analisar os contratos de construção e de prestação de serviços.
  • Mediar conflitos entre os titulares das diferentes unidades.
  • Defender os direitos dos seus clientes em eventuais litígios judiciais.

Em conclusão, o Direito de Laje representa uma importante ferramenta para o aproveitamento do espaço urbano, mas a realização de alterações estruturais para viabilizar a construção superior exige atenção redobrada aos aspectos jurídicos. O consentimento do proprietário da construção base, a regularidade da edificação original, a aprovação dos projetos, a segurança estrutural e a independência das unidades são elementos cruciais para garantir a legalidade e a segurança da construção superior, evitando futuros problemas e litígios. A assessoria jurídica especializada é, portanto, indispensável para navegar por essas questões complexas e garantir que seus direitos sejam preservados.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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