O fim de um casamento é, inegavelmente, um dos processos mais desafiadores na vida de um indivíduo, não apenas no aspecto emocional, mas também no patrimonial. Quando a decisão pela separação é tomada, a preocupação imediata do casal geralmente se volta para a partilha de bens: a casa, o carro, os investimentos.
No entanto, há um aspecto da partilha tão ou mais complexo e que gera inúmeros conflitos: a divisão das dívidas.
Muitos casais são pegos de surpresa ao descobrir que as obrigações financeiras contraídas durante a união não desaparecem com a assinatura dos papéis do divórcio. Pelo contrário, a gestão desses passivos é um ponto crucial do processo.
A pergunta que recebemos diariamente em nosso escritório é: “Doutor, mas essa dívida está no nome dele(a), eu realmente tenho que pagar?” A resposta, como quase tudo no Direito, é: depende.
Neste artigo, vamos desmistificar, de forma clara e juridicamente fundamentada, como o Direito de Família brasileiro trata a partilha de dívidas e quem, afinal, arca com as contas após o divórcio.
O Fator Decisivo: O Regime de Bens e a Comunicação das Dívidas
A estrutura legal que define o destino das dívidas de um casal é o Regime de Bens, escolhido (ou imposto por lei) no momento do casamento. É este regime que dita o que “se comunica” – tanto os ativos quanto os passivos.
Se o casal não firmou um pacto antenupcial escolhendo um regime diferente, vigora o regime legal padrão no Brasil desde 1977: a Comunhão Parcial de Bens. Vamos analisar como as dívidas se comportam em cada cenário.
1. Comunhão Parcial de Bens: O Padrão Brasileiro
Neste regime, a regra é clara: comunicam-se os bens adquiridos onerosamente (comprados) durante o casamento e, da mesma forma, as dívidas contraídas durante o casamento.
Aqui reside o ponto nevrálgico: o Código Civil presume que toda dívida adquirida por um dos cônjuges durante a união foi feita em benefício da entidade familiar.
- O que isso significa na prática? Se a esposa financiou um carro no nome dela para o transporte da família, ou se o marido usou o cartão de crédito (em nome dele) para pagar a escola dos filhos, o supermercado ou a viagem de férias, essa dívida pertence ao casal. Não importa em qual CPF o débito está registrado; se foi contraído na constância do casamento e para o bem comum, ambos respondem por ela na partilha.
- As Exceções Importantes: A lei exclui da comunhão as dívidas que não reverteram em proveito da família. Por exemplo:
- Dívidas de jogo contraídas por um dos cônjuges.
- Dívidas de um negócio particular que não tinha a participação ou anuência do outro.
- Dívidas contraídas para a compra de bens de uso estritamente pessoal e supérfluo, sem benefício ao lar.
- Dívidas anteriores ao casamento (estas são sempre particulares).
O desafio, portanto, é provar que a dívida contraída por um não beneficiou o casal. O ônus de provar isso é de quem alega a incomunicabilidade do débito.
2. Comunhão Universal de Bens: A Unidade Total
Embora menos comum hoje em dia, neste regime (que era o padrão antes de 1977), a regra é a fusão completa dos patrimônios. Tudo se comunica: bens e dívidas, presentes e futuros.
Isso significa que dívidas contraídas antes do casamento por um dos cônjuges passam a ser do casal após a união. No divórcio, salvo raras exceções (como dívidas de atos ilícitos), todo o passivo é dividido igualmente, independentemente de quem o contraiu ou quando.
3. Separação Total de Bens: Cada Um Por Si
Este é o regime da independência patrimonial. Aqui, a regra é oposta: não há comunicação de bens nem de dívidas.
Cada cônjuge responde individualmente por seus débitos, sejam eles anteriores ou contraídos durante o casamento. A exceção ocorre apenas se a dívida foi contraída conjuntamente (ambos assinaram como devedores ou fiadores) ou se for uma dívida específica para a manutenção do lar, contraída em benefício de ambos, caso em que podem ser cobrados solidariamente.
4. Participação Final nos Aquestos: O Regime Híbrido
Este é o regime mais complexo e raro. Durante o casamento, ele funciona como uma Separação Total (cada um administra seus bens e dívidas). No divórcio, porém, apura-se o que cada um adquiriu onerosamente e divide-se o lucro (aquestos), funcionando como uma Comunhão Parcial.
As dívidas contraídas por um cônjuge são, em regra, de sua responsabilidade exclusiva. Contudo, se a dívida foi contraída para adquirir um bem (por exemplo, um financiamento), o valor dessa dívida será abatido do “montante partilhável” daquele cônjuge.
Análises Práticas: Dívidas Comuns no Divórcio
Vamos aplicar o conhecimento aos casos mais comuns (considerando o regime padrão, da Comunhão Parcial).
O Financiamento Imobiliário
Esta é, talvez, a maior preocupação. O casal financia um imóvel em 30 anos e se divorcia em 5. Quem paga?
- Perante o Banco: O banco (credor) não faz parte do divórcio. Para ele, o contrato de financiamento permanece intacto. Se ambos assinaram, ambos são devedores solidários. Se o pagamento parar, o banco pode executar a dívida contra os dois e levar o imóvel a leilão.
- Perante o Casal: Na partilha, o saldo devedor é uma dívida do casal. As parcelas pagas durante o casamento foram um investimento conjunto (que gerou o direito sobre o bem). O que resta a pagar deve ser dividido. As soluções comuns são:
- Vender o Imóvel: Quitar o financiamento com o valor da venda e dividir o que sobrar.
- Um Cônjuge Assume: Um dos dois “compra” a parte do outro e assume sozinho o financiamento (exigindo a concordância do banco para alterar o contrato, o que é difícil).
- Manter em Condomínio: Ambos continuam pagando o financiamento até a quitação, mesmo separados (raro e arriscado).
Dívidas no Cartão de Crédito
O cartão é pessoal, mas a dívida pode ser do casal. Será necessário analisar as faturas. O que foi gasto com supermercado, farmácia ou contas da casa é dívida do casal. O que foi gasto com itens pessoais (roupas de luxo, hobbies individuais) é dívida particular de quem gastou.
Empréstimos Pessoais e Cheque Especial
Aplica-se a mesma lógica: O dinheiro foi usado para quê? Se foi para reformar a casa, é do casal. Se foi para pagar uma pós-graduação que só beneficia a carreira de um, é daquele um. Se foi para cobrir um “rombo” no orçamento doméstico, é do casal. A origem e a aplicação do recurso são as chaves da questão.
O Risco do “Nome Sujo” e a Responsabilidade Pós-Divórcio
É vital entender que o credor (banco, financeira, loja) não está vinculado ao que foi decidido no divórcio.
Se o juiz determinar que uma dívida de financiamento ficará 100% a cargo do ex-marido, mas a ex-esposa também assinou o contrato original com o banco, e o ex-marido deixar de pagar, o banco irá cobrar a dívida da ex-esposa. O nome dela será negativado.
Nesse caso, ela terá que pagar o banco para “limpar o nome” e depois entrar com uma ação de regresso contra o ex-marido para reaver o valor que pagou e que, segundo o acordo de divórcio, era de responsabilidade dele. É um processo desgastante que demonstra a importância de um acordo bem-feito.
O Divórcio Exige Estratégia Jurídica e Financeira
A partilha de dívidas é um dos terrenos mais minados do divórcio. Tentar resolvê-la sem assessoria jurídica especializada é arriscar o seu futuro financeiro.
Muitas vezes, a parte emocional do término impede que os cônjuges analisem friamente o cenário, levando a acordos desastrosos: um assume uma dívida que não lhe cabia por culpa, ou abre mão de direitos para “acabar logo com isso”.
A verdade é que um divórcio não é apenas o fim de um relacionamento; é a dissolução de uma sociedade conjugal. E, como em qualquer sociedade, é preciso fazer um balanço patrimonial, apurando ativos e passivos, antes de “fechar as portas”.
Não permita que a falta de informação transforme seu recomeço em um pesadelo financeiro. Um advogado especialista em Direito de Família não atua apenas para formalizar a separação, mas para garantir que a divisão de responsabilidades seja justa, legal e, acima de tudo, que proteja sua liberdade financeira futura.
Nosso escritório é especializado em divórcios complexos que envolvem partilha de patrimônio e passivos. Se você está enfrentando uma separação e tem dúvidas sobre como suas dívidas serão tratadas, ou precisa de orientação para formalizar um acordo seguro, estamos à disposição.
Entre em contato conosco. Agende uma consulta para uma análise personalizada do seu caso, receba orientação sobre os seus direitos e deveres, e solicite um orçamento para uma assessoria completa.
