Como entrar com ação judicial para garantir atendimento médico pelo SUS?

Como entrar com ação judicial para garantir atendimento médico pelo SUS?

Se você ou um familiar precisa de um atendimento médico específico – seja uma consulta com especialista, um exame de alta complexidade, uma cirurgia urgente, um medicamento de alto custo ou um tratamento contínuo – e esbarrou nas longas filas ou na negativa do Sistema Único de Saúde (SUS), você sabe a angústia e a incerteza que essa situação pode gerar.

A saúde é um direito fundamental de todo cidadão, garantido pela nossa Constituição Federal. O SUS existe justamente para assegurar esse direito, oferecendo acesso universal e gratuito a serviços de saúde. No entanto, a realidade do sistema muitas vezes diverge da promessa constitucional, com dificuldades de financiamento, falta de recursos e demanda que supera a oferta, resultando em demoras injustificáveis ou negativas de tratamentos essenciais.

Mas não perca a esperança. Nesses casos, quando as vias administrativas se esgotam ou a urgência não permite esperar, a ação judicial surge como um caminho legal e eficaz para garantir o atendimento médico que você necessita. Entrar com um processo contra o SUS pode parecer intimidante, mas é um instrumento legítimo para fazer valer seus direitos.

Este artigo detalha o que você precisa saber sobre como funciona uma ação judicial para garantir atendimento médico pelo SUS, quais documentos são essenciais e como a justiça pode ser sua aliada neste momento difícil.

O Direito Fundamental à Saúde na Constituição e os Desafios do SUS

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, consagra a saúde como um direito social. Mais adiante, o artigo 196 é categórico ao afirmar que:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Isso significa que a União, os Estados e os Municípios têm a obrigação solidária de fornecer os meios para que todo cidadão tenha acesso à saúde.

Por outro lado, sabemos que o SUS, apesar de sua importância fundamental, enfrenta gargalos. A alta demanda, a complexidade da gestão, a distribuição desigual de recursos e a burocracia podem resultar em:

  • Filas de espera intermináveis para consultas e cirurgias.
  • Falta de médicos especialistas em determinadas regiões.
  • Ausência de medicamentos específicos ou de alto custo nas farmácias públicas.
  • Dificuldade em realizar exames complexos ou urgentes.

Quando essas dificuldades se tornam uma negativa ou uma demora que coloca em risco a saúde ou a vida do paciente, a busca pelo Poder Judiciário se torna não apenas possível, mas muitas vezes necessária.

Quando a Ação Judicial se Torna o Caminho?

Entrar com uma ação judicial contra o SUS geralmente é o último recurso, utilizado quando as tentativas de obter o atendimento médico pelas vias administrativas normais se mostram ineficazes ou lentas demais diante da urgência da situação.

Você deve considerar a via judicial quando:

  1. Você possui um relatório médico claro e detalhado indicando a necessidade de um determinado tratamento, medicamento, exame ou cirurgia.
  2. Você já tentou obter o atendimento ou o insumo pelo SUS e recebeu uma negativa formal (por escrito ou oral, mas com protocolo) ou foi colocado em uma fila de espera incompatível com a urgência do seu caso.
  3. A demora no atendimento ou a falta do tratamento recomendado pelo médico está causando ou pode causar um risco grave à sua saúde ou agravar seu quadro clínico.

É importante ressaltar que a ação judicial se baseia na necessidade médica comprovada. Não se trata de escolher o tratamento que você prefere, mas de garantir o acesso ao que é essencial para a sua saúde, conforme atestado por um profissional.

O Que a Justiça Pode Garantir Através de Uma Ação Contra o SUS?

Uma ação judicial bem fundamentada pode obrigar o poder público a fornecer:

  • Consultas com médicos especialistas.
  • Exames de imagem (ressonância, tomografia), laboratoriais complexos, genéticos, entre outros.
  • Cirurgias de diversas complexidades.
  • Internações em leitos adequados (UTI, enfermaria especializada).
  • Medicamentos, incluindo os de alto custo ou que não constam nas listas padronizadas do SUS, desde que devidamente registrados na ANVISA e justificados pelo médico.
  • Materiais cirúrgicos, próteses e órteses.
  • Tratamentos de fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, nutrição, etc., quando essenciais para a recuperação ou manutenção da saúde.
  • Tratamentos fora do domicílio (TFD), se a sua cidade ou estado não oferecer o atendimento necessário.

Em suma, a justiça pode determinar que o SUS cumpra sua obrigação constitucional de fornecer o atendimento médico necessário para proteger ou recuperar a sua saúde.

A Base Legal da Sua Reivindicação: O Dever do Estado

Como mencionamos, a Constituição Federal é a principal fonte do seu direito à saúde. No entanto, outras leis e, principalmente, a jurisprudência (decisões anteriores dos tribunais) reforçam esse direito.

Os tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm reiterado que o direito à saúde é um direito social de aplicação imediata e que o Estado (em suas três esferas: União, Estados e Municípios) tem o dever solidário de garantir o acesso a tratamentos e medicamentos essenciais.

Isso significa que você pode processar o Município, o Estado, a União ou até mesmo todos eles simultaneamente, dependendo do tipo de atendimento ou medicamento solicitado. Um advogado especializado saberá direcionar a ação para o ente público correto, ou incluir todos para evitar discussões futuras.

A ação judicial para garantir atendimento médico é geralmente classificada como uma “Obrigação de Fazer“, ou seja, uma ação que busca obrigar o poder público a fazer algo que ele se recusa ou demora a fazer: fornecer o tratamento ou insumo de saúde.

Preparando-se Para a Ação: Documentos Essenciais e a Importância do Relatório Médico

Para ter sucesso em uma ação judicial contra o SUS, a documentação é a sua principal ferramenta. Sem ela, o processo não tem base. O documento mais crucial é, sem dúvida, o relatório médico.

O Relatório Médico Detalhado e Atualizado

Este documento é a alma do processo. Ele deve ser emitido pelo médico que acompanha o paciente e precisa ser o mais completo possível. O que um bom relatório médico deve conter:

  • Diagnóstico claro da doença ou condição de saúde.
  • Histórico sucinto do paciente e da evolução da doença.
  • Descrição detalhada do tratamento, medicamento, exame ou cirurgia necessário.
  • Justificativa técnica e científica para a necessidade desse tratamento específico. Por que essa é a melhor opção?
  • Informação sobre riscos e consequências caso o atendimento não seja realizado ou seja adiado. Isso fundamenta a urgência.
  • Indicação de que o tratamento foi tentado ou não está disponível pelo SUS na forma ou no tempo necessário.
  • Nome completo do paciente, CID (Classificação Internacional de Doenças), data, assinatura e carimbo do médico (com CRM).

Idealmente, o médico deve explicar por que as alternativas eventualmente oferecidas pelo SUS não são adequadas ou suficientes para o caso. Quanto mais detalhes e justificativas o relatório tiver, mais forte será sua ação judicial.

Outros Documentos Indispensáveis:

  • Cópia dos documentos pessoais do paciente (RG, CPF).
  • Comprovante de residência atualizado em nome do paciente.
  • Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS).
  • Comprovantes das tentativas de obter o atendimento pelo SUS: Protocolos de atendimento, e-mails, cartas, comprovantes de estar em fila de espera, negativas por escrito (se houver).
  • Receitas médicas atualizadas (especialmente para medicamentos).
  • Resultados de exames anteriores que comprovem a condição de saúde.

Reúna todos esses documentos antes de procurar um advogado.

Entrando Com a Ação Judicial: O Papel do Advogado e a Liminar

Com a documentação em mãos, o próximo passo é buscar representação legal. Você pode procurar a Defensoria Pública (se comprovar hipossuficiência financeira) ou contratar um advogado particular especializado em Direito da Saúde ou Direito do Consumidor (que abrange ações contra o Estado no que tange a serviços públicos essenciais).

O advogado irá:

  1. Analisar seus documentos e a viabilidade da ação judicial.
  2. Elaborar a petição inicial, que é a peça que dará início ao processo. Nesta petição, ele apresentará os fatos, a base legal (seus direitos), os documentos e fará os pedidos ao juiz.
  3. Protocolar a ação judicial no fórum correto (geralmente na Justiça Federal, mas pode variar dependendo do caso e do ente público a ser processado).
  4. Um dos pedidos mais importantes na petição inicial será, quase sempre, a concessão de uma liminar, também conhecida como tutela de urgência.

O Que é a Liminar (Tutela de Urgência)?

A liminar é uma decisão provisória e urgente do juiz, concedida logo no início do processo, antes mesmo que a outra parte (o SUS) apresente sua defesa. Ela é fundamental em casos de saúde porque o paciente não pode esperar o trâmite normal do processo, que pode levar meses ou anos.

Para conceder uma liminar, o juiz avalia dois requisitos principais:

  • Probabilidade do Direito: Parece que o direito do paciente existe, baseado nas provas apresentadas (principalmente o relatório médico).
  • Perigo de Dano ou Risco ao Resultado Útil do Processo: A demora na decisão final pode causar um dano irreparável ou de difícil reparação à saúde ou vida do paciente.

Se o juiz se convencer desses pontos, ele pode emitir uma ordem determinando que o poder público forneça o tratamento, medicamento ou realize o procedimento em um prazo determinado (geralmente curto, de 24h a 15 dias, dependendo da urgência e do pedido).

Após a Liminar: O Andamento do Processo

A concessão da liminar não encerra o processo. A ação judicial continua seu curso normal. O ente público processado será citado para se defender, haverá análise de provas, manifestações das partes e, ao final, uma sentença definitiva. No entanto, com a liminar favorável, o paciente já começa a receber o atendimento necessário enquanto o processo tramita.

Caso o poder público não cumpra a liminar, o juiz pode impor medidas coercitivas, como multa diária (astreintes) ao gestor responsável, bloqueio de verbas públicas para a compra do medicamento/serviço, ou até mesmo outras sanções mais graves.

Quem Processar: União, Estado ou Município?

A responsabilidade pelo SUS é compartilhada entre os três entes federativos (União, Estados e Municípios). A jurisprudência entende que essa responsabilidade é solidária, o que significa que qualquer um deles pode ser obrigado a fornecer o atendimento.

Na prática, a escolha de quem processar pode depender de alguns fatores, como:

  • O tipo de tratamento ou medicamento (alguns são de responsabilidade primária do Município, outros do Estado, outros da União).
  • A localização e a estrutura do SUS na sua região.
  • A estratégia definida pelo advogado.

Em muitos casos, o advogado pode optar por incluir os três entes no polo passivo da ação judicial (processar a União, o Estado e o Município), para garantir que, independentemente de quem seja considerado o principal responsável, a obrigação seja cumprida.

Considerações Importantes

  • Medicamentos Fora da Lista do SUS (Padronização): Mesmo que um medicamento não conste nas listas oficiais do SUS, a justiça pode obrigar o fornecimento, desde que ele tenha registro na ANVISA, seja essencial para o tratamento e haja um relatório médico robusto justificando sua necessidade e a ineficácia das alternativas padronizadas.
  • Tratamentos Experimentais: O SUS e a justiça geralmente não são obrigados a fornecer tratamentos experimentais ou que não possuam eficácia comprovada cientificamente. A base é sempre a medicina baseada em evidências.
  • Gratuidade da Justiça: Em geral, as ações para garantir atendimento médico pelo SUS são ajuizadas com pedido de gratuidade da justiça (assistência judiciária gratuita), o que isenta o paciente do pagamento de custas processuais e honorários periciais (se houver necessidade de perícia médica judicial).

Por Que Contratar um Advogado Especializado?

Embora a Defensoria Pública possa atuar nesses casos, a contratação de um advogado particular especializado em Direito da Saúde pode ser vantajosa por diversos motivos:

  • Agilidade: Escritórios particulares costumam ter menos volume de casos do que a Defensoria Pública, o que pode resultar em um atendimento e ajuizamento da ação mais rápidos.
  • Expertise: Um advogado especializado tem conhecimento aprofundado sobre a legislação da saúde, as decisões judiciais mais recentes sobre o tema (jurisprudência) e os procedimentos mais eficazes para garantir a liminar.
  • Estratégia Personalizada: Ele poderá analisar as particularidades do seu caso para definir a melhor estratégia jurídica e quem processar.
  • Acompanhamento Próximo: Oferece um acompanhamento mais dedicado e direto do seu processo.

Diante da fragilidade e urgência que uma questão de saúde impõe, ter um profissional qualificado ao seu lado para navegar pelo sistema jurídico é um diferencial importante para garantir seus direitos.

Não Desista do Seu Direito à Saúde

Enfrentar a burocracia e as limitações do SUS enquanto se lida com uma necessidade de atendimento médico é exaustivo. No entanto, é fundamental saber que a Constituição Federal está do seu lado e que o Poder Judiciário é uma ferramenta para fazer valer o seu direito à saúde, que é dever do Estado.

Reúna toda a sua documentação, especialmente o relatório médico detalhado. Ele é a peça-chave. Em seguida, procure um advogado especializado em Direito da Saúde para analisar seu caso e ingressar com a ação judicial cabível, buscando, se necessário, a liminar que garantirá o início rápido do seu tratamento.

Não aceite a negativa ou a espera que coloque sua saúde em risco. Lute pelo seu direito! O caminho judicial, embora exija alguns passos e documentação, é um meio poderoso para garantir o atendimento médico que o SUS tem a obrigação de oferecer.

Se você está passando por essa situação, entre em contato conosco. Podemos analisar seu caso e ajudar você a garantir o atendimento médico que você e sua família precisam.

Priscila Casimiro Ribeiro Garcia

Advogada altamente qualificada, Pós Graduada em Execuções Cíveis pela OAB/SP. Especialista em Direito de Família, atuante na área há mais de 15 anos.

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